Espírito metafísico e espírito sobrenatural – I
Quando bem orientado, o espírito metafísico deve buscar sempre a perfeição absoluta, conduzindo a pessoa à ordem sobrenatural na qual a Igreja nos introduz. Esta disposição de alma, que se resume no espírito sacral, é o pressuposto da boa formação espiritual e da Civilização Cristã.
O espírito metafísico é aquela excelência do espírito humano pelo qual a inteligência não se contenta com as explicações imediatas das coisas, mas procura uma explicação suprema. Não se contenta com a satisfação limitada que as coisas terrenas podem dar, mas busca um deleite mais alto, transcendente. E com o mero uso da razão, portanto sem recursos sobrenaturais, procura fazer uma ideia de qual seja essa explicação de todas as explicações, esse bem de todos os bens, e constrói aquilo que nós chamaríamos os dados naturais da religião.
Marcha do espírito metafísico
Assim, a existência, a unidade, a eternidade, a perfeição de Deus. Ele enquanto sendo justo e, portanto, que castiga e premia, ama os homens, governa. Essas são verdades a respeito de Deus que o homem com espírito metafísico deduz pela razão, considerando o universo.
A marcha do espírito metafísico pode colocar-se da seguinte maneira. Eu vejo uma pessoa que pratica um ato extremamente bom, por exemplo, de valentia, de caridade ou de severidade. Olho para aquilo e digo: “É extraordinário como esse homem tem tal virtude. Mas ele a possui de modo limitado. Eu poderia imaginar esta virtude existindo em grau muito mais alto em outrem”.
Isto é sempre verdade. Ainda que nós conhecêssemos Aquela que é o sol das virtudes, Nossa Senhora, poderíamos dizer: “Ela tem esta virtude em grau de deslumbrar, de comover, de não se saber o que dizer.” Mas, analisando as coisas com toda a firmeza, nós diríamos: “Ainda que se pudesse ser mais santo do que Ela, Santo de uma santidade inatingível por nenhuma criatura, só Deus”.
Então, depois de eu ver uma pessoa muito boa, posso afirmar: deve existir uma bondade maior do que a dela. Porque toda bondade menor não existiria se não fosse a bondade infinita da qual ela participa. Logo, deve haver a bondade infinita, um Ser que é infinitamente bom; não é apenas infinitamente bom, mas a própria bondade: Deus.
De tudo do universo que eu vejo, posso fazer isso. Por exemplo, aquela flor francesa chamada “muguet” (lirio-do-vale) , que floresce em maio e dá a impressão de uns sinozinhos brancos, é a própria expressão da delicadeza.
Se tal flor tem aquela delicadeza, minha alma que gosta da delicadeza apreciaria conhecer, é apetente de uma delicadeza imensamente maior do que aquela.
Mais ainda. Minha alma, que é finita, apetece uma delicadeza infinita. E depois que eu conheci uma coisa delicada, minha alma só encontra repouso no momento em que encontre a delicadeza infinita.
A Igreja nos introduz numa ordem sobrenatural
Todas as coisas delicadas da Terra não me bastam, eu quero mais, sempre mais, quero o perfeito, o infinito. Esta disposição do espírito de, em matéria de bom, de belo, querer sempre o perfeito e só se contentar com o perfeito, é uma excelência da alma. Isto leva a consideração, pela via da razão, de um Deus que tenha isto, e a minha compreensão: sou um desgraçado, um miserável enquanto não conhecer este Deus. Toda a vida é pálida e inexpressiva enquanto eu não O conhecer.
É absurdo que a natureza seja mal constituída. Ora, ela seria mal constituída se não existisse a delicadeza infinita. Logo, ela existe e, portanto, há um Deus que é a delicadeza infinita. Este é o espírito metafísico.
O próprio do católico que tem a alma bem formada é possuir esses anseios sem fim, das coisas perfeitas e eternas. O característico do católico com a alma mal formada é imaginar que a vida nesta Terra pode satisfazer.
Então, há o espírito metafísico que se estende para essas coisas, e existe o espírito limitado, circunscrito, que fica apenas no físico, e não no metafísico, no além do físico – eu estou forçando um pouco os termos –, e que se contenta com esta vida. Então um dos primeiros pressupostos do amor de Deus é ser incontentável com as coisas desta vida, e só querer o infinito.
Ademais, se Deus existe, Ele tem que ser de uma essência e de uma natureza maior do que a nossa. Daí vem a facilidade de admitirmos que Deus nos falou e nos comunicou suas verdades e sua graça, deu-nos uma Revelação e uma Igreja que nos introduz numa ordem sobrenatural, e que tudo quanto puramente na ordem natural nós tínhamos pensado é superado pelo que a Revelação nos ensina de um modo fabuloso.
Então nós temos um anseio maior do que o simplesmente metafísico, que é o anseio para o sobrenatural. Admitimos com facilidade a Revelação, não com superficialidade de espírito, por tolice, mas por uma agilidade de espírito por onde compreendemos facilmente que aquilo é verdade. Temos facilidade em amar as coisas reveladas, somos dóceis para a graça e a ordem sobrenatural.
O espírito sobrenatural e o espírito metafísico se resumem numa só palavra: espírito sacral. O espírito sacral tem um aspecto metafísico natural, e um aspecto sobrenatural que diz respeito à Revelação e à graça.
Defeito de alma que enfraquece o edifício das virtudes na mentalidade dos católicos
Então nós devemos dizer que o pressuposto de toda a Civilização Católica, de toda formação espiritual é que as almas tenham essa disposição. Pelo fato de, mesmo na Igreja, não se insistir bastante sobre isto, havia católicos “carunchados”, porque a maior parte dos meninos saía do Catecismo com a seguinte ideia: “Você morre ainda que não queira, não tem remédio, todo mundo morre. Este é o primeiro fato consumado. O segundo é que depois você vai ser julgado. Terceiro fato consumado: há uma tabela de dez pontos que você precisa obedecer, senão vai para o Inferno; queira ou não queira, você vai encontrar isto diante de si. Então trate de andar bem para não ir para o Inferno. Aliás, se você – dito mais rapidamente – não for para o Inferno, vai para o Céu, o que é muito agradável”.
A criança olha um santinho, vê um Anjo sentado numa substância azul olhando a eternidade passar. Ela pensa: “É isso o Céu? Quando eu comparo com o Inferno é uma saída. Depois me dizem que é bom. Não entendo muito aquele azul, mas enfim tem que ser bom em tese. Lá vou para o azul e está acabado”.
Isto não é despertar o senso sobrenatural, porque a criança fica com a ideia seguinte: “O gostoso seria eu viver neste mundo eternamente; sempre feliz, rico, saudável, não ter Céu nem Inferno; não quero mais nada.”
Este é o defeito de alma que torna tão fraco o edifício da virtude na mentalidade dos católicos. É um pressuposto que se deve ressaltar vivamente. Porque todo trabalho da opinião católica que não tonifique fortemente estes dois princípios resulta numa ação fraca. Vem da debilidade destes princípios o fato de que as pessoas praticam – quando praticam – os Mandamentos a duras penas, resvalando entre o bem e o mal, com concessões, e sempre aparecendo o bem como frágil e o mal como forte.
O que dá uma espécie de baixa e de desânimo. A pessoa perde a coragem na prática dos Mandamentos. E pensa: “Não sei como Deus conduz estas coisas. Ele é sempre derrotado. O partido d’Ele é sempre o mole, o fraco. A Fé, a virtude, é uma fraqueza? A força está no vício. Todas as batalhas da História têm sido ganhas pelo mal, a Igreja não faz senão recuar. Ela agora até está se liquefazendo. Eu fico desanimado”.
Ora, se a alma tivesse estes pressupostos bem nítidos e amasse a Deus como estou acabando de dizer, ela seria capaz de todas as fortalezas. Então veríamos a opinião católica caminhar para a frente. Este é o sentido profundo, o ponto fundamental de toda verdadeira formação católica nos termos que podem interessar o homem moderno.
O verdadeiro homem moderno tem que começar por ser homem, e ser moderno no sentido próprio da palavra. Não é um “Maria vai com as outras”, que acompanha o caudal, mas sim um homem à maneira de São João Batista, que era um homem moderno, quer dizer, adequado, oportuno, útil para seus dias, capaz de curar os males de sua época.
Devemos ter em mente que, antes de tudo, somos uma escola de amor de Deus. E como tal procuramos principalmente lecionar, a respeito do amor de Deus, as verdades esquecidas, mais negadas em nossa época. Nossa Senhora, que nos ajudou a caminhar bastante nesta linha, nos ajudará a ver qual é o modo de ensinar isso.
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 17/11/1972)
Revista Dr Plinio (Março de 2019)