Flashes com a santidade da Igreja

As graças atuais, dons divinos que iluminam nossa inteligência e auxiliam nossa vontade para realizar o bem e nele perseverar, constituem fator inestimável para a nossa santificação. Dr. Plinio nos contará a seguir circunstâncias de sua vida nas quais, à maneira de “flashes”, essas graças lhe foram concedidas a fim de compreender e contemplar verdades eternas, como a divindade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Ao dissertar a respeito dos flashes(1), procuro descrever antes o que se passa na alma dos outros, em vez de analisar os meus próprios movimentos interiores. Instado, porém, a dar um testemunho pessoal, volto-me para minhas lembranças dos vários fla­shes que tive desde menino, enriquecidos, avolumados com o passar dos anos, e conservados por mim numa espécie de síntese de todos eles.

Os meus flashes de infância são tão remotos e, naturalmente, marcados por algo de tão incipiente e pueril, que evocarei apenas dois exemplos, esperando satisfazer assim a filial curiosidade dos meus ouvintes.

O órgão, um universo de sons

Recordo-me da primeira vez que prestei atenção no timbre do órgão. Encontrava-me na Igreja do Coração de Jesus para assistir Missa e, de súbito, começaram a tocá-lo. Certamente já o tinha ouvido em outras ocasiões, mas nunca lhe dera importância. Entretanto, naquele momento recebi um verdadeiro flash, pois tive a impressão de uma plenitude de sons capaz de ser expressa pelo instrumento, de modo muito adequado, embora sintético. Não como o universo de acordes ao alcance de qualquer piano de bairro, mas cada som trazendo consigo a conotação de uma miríade de outros acentos, de maneira que um dó varia num mundo de dós, o mesmo sucedendo com o ré, o mi, etc.

Mais ainda. Com a profusão de registros, o universo sonoro do órgão é desencadeado, manipulado e posto em movimento pela pessoa que o dedilha, acompanhado da ideia de haver nele ressonâncias prodigiosamente harmônicas, pois cada som é um protótipo que se multiplica, desdobra-se, fomenta-se pelas diferentes vibrações. Esta harmonia interna em cada nota se reproduz, por sua vez, na relação de umas com as outras, e o teor desse comércio no mundo dos sons é um lindo símbolo de todos os estados de espírito, normais, dignos e bons, no convívio humano.

Logo, há uma reversibilidade entre o universo moral do homem e o dos sons. Acima de tudo, paira a ideia de que só a Igreja Católica pode ter inspirado, presidido e levado a cabo essa visão de conjunto. Daí a conclusão: a Igreja Católica é santa; portanto, divina.

Naturalmente, essa concepção não vinha ao meu espírito com essa clareza. Era um flash, como qualquer pessoa pode ter, pois é conforme à nossa natureza, quando meninos, termos essas impressões instantâneas, riquíssimas, análogas a um inopinado nascer de sol, sem aurora, surgindo direto na plenitude do meio-dia.

Não me foi difícil perceber que no flash haveria uma verdade — “il y a de vrai là dedans”, dizem os franceses — a ser escavada de modo indefinido. E no decorrer dos anos consegui explicitá-la, como acabei de fazê-lo. Não se imagine, pois, ter sido eu um menino genial, uma espécie de “Mozartzinho” da Filosofia… Minha capacidade intelectual não chegava a tanto.

Compreendendo a divindade da Igreja

Certo tempo depois, tive essa mesma sensação na Igreja de Santa Cecília, onde, pela ação do Divino Espírito Santo, discerni a santidade e a divindade da Igreja Católica, em oposição à Revolução. E compreendi como me seria concedida a graça de pertencer inteiramente à Esposa Mística de Cristo, no momento em que todas as potências de minha alma vibrassem em uníssono com aquele órgão. Então meu espírito teria alcançado sua plena realização.

Foi um flash deveras intenso, corroborado pelas vívidas impressões determinadas por alguns aspectos do edifício sagrado.  Por exemplo, os vitrais dessa igreja são autênticos, com belas policromias, e mais atraentes que os comuns dos templos da cidade de São Paulo (em geral, apenas janelas com vidros coloridos, sem maiores labores artísticos).

Na mencionada ocasião, levado por minha família para alguma cerimônia litúrgica, entrei na Igreja de Santa Cecília numa hora em que os raios do sol atravessavam os vitrais da capela-mor e também os situados ao longo da nave central, do lado esquerdo de quem olha para o altar principal. Estavam iluminados, com as suas tonalidades imersas em maravilhosa harmonia, tomando rutilância e brilho extraordinários.

Admirei aquele esplendor e pensei: “Que cores! Como seria agradável morar dentro de um desses vitrais! Se houvesse um espaço habitável, onde tudo fosse como essa apoteose de colorido, e eu pudesse passear de vitral em vitral por vários ambientes, sem qualquer empecilho, apenas me alimentando dessas cores, do ar e do perfume condizentes com elas, eu seria capaz de perceber harmonias e belezas de uma ordem do ser maravilhosa, que não pertence a esta Terra.

“Se eu pudesse morar nesse espaço, perceberia também que minha alma se sentiria completamente realizada ao fazer tal excursão através do mundo dessas cores banhadas pelo sol. Então, penetrar num verde ou azul absolutos, observar todo o percurso da luz — desde a aurora até o crepúsculo — através dessas cores que iriam mudando de tonalidades, sem ninguém me interromper nem perturbar! O tempo todo estaria ali, tecendo reflexões e contemplações baseadas nesses coloridos…”

Não é difícil entender que essas meditações seriam de caráter religioso, e que se fosse materialmente possível semelhante situação, eu me sentiria feliz ao extremo, por me ter sido franqueado o conhecimento de umas tantas coisas muito mais valiosas que aquelas pelas quais os homens têm apreço.

Compreendi, pois, o que era a santidade, a perfeição e a divindade da Igreja Católica, aplicando aos vitrais o mesmo raciocínio feito a propósito do órgão.

“Nunca me separarei da Igreja Católica!”

Num passo seguinte, corri os olhos sobre uma galeria existente na nave central, com pinturas em estilo mosaico, retratando bispos antigos do Brasil, revestidos de seus paramentos, cada um deles no seu pequeno pedestal, em atitudes convencionais, provavelmente bem diferentes da realidade histórica, mas exprimindo algo do bispo ideal.

Eu os observava e pensava: “Meu Deus, que coisa fantástica! Na ordem espiritual, esses bispos são o que as cores daqueles vitrais significam na ordem natural. Cada uma dessas almas é como um vitral da Igreja Católica. Isso é maravilhoso!”

Em seguida, vi os quadros do martírio de Santa Cecília e outros objetos de arte. Aquilo tudo encheu minha alma, tocada com um verdadeiro flash.

Ao sair de lá, concluí: “Da Igreja Católica não me separo nunca! Fui feito para ela e sem Ela a vida não tem sentido. É mesmo divina, e n’Ela creio. A apologética será útil para outros. Para mim, a prova dessa divindade está dada”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

1) Sobre a doutrina dos “flashes”, ver “Dr. Plinio” nº 55, págs. 16-20.

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