Arquetipização, amor à cruz e seriedade
Uma nota muito importante da escola de Dr. Plinio é a arquetipização, ou seja, a busca da perfeição de todas as coisas. Esta tendência do senso do ser leva a pessoa continuamente a um desejo de elevação. Aplicando esse princípio à consideração de ambientes, Dr. Plinio analisa o estilo grego, românico e gótico.
Na Igreja do Sagrado Coração de Jesus está difusa pelo ar uma impressão de aconchego e de proteção muito grande, mas também de muita sabedoria, tranquilidade e bondade. No fundo, o que é isso?
Uma operação eminentemente religiosa
Quando entramos em algum ambiente, o que por excelência causa impressão, mais do que qualquer objeto, é a pessoa que encontramos ali ou a quem, de algum modo, aquele ambiente e os objetos nele contidos nos reportam.
Lembro-me de ter visto um quadro representando o Lago Titicaca, na Bolívia, de um azul e um prateado lindíssimos! Tinha-se a impressão de uma imensa asa de borboleta que ondulava ao sopro do vento. Embora esse lago não seja uma criatura humana, nem foi ideado por um artista, ao vê-lo tem-se uma impressão parecida com a que se teria no convívio com uma pessoa que nos causasse análogo efeito.
Assim também, quando ao contato da graça sentimos uma determinada impressão sobre um objeto, de fato temos a sensação de como se estivéssemos com Deus. Na Igreja do Coração de Jesus nós não vemos a Deus, mas sentimos a impressão que teríamos se estivéssemos com Ele, mostrando-Se sob aquele aspecto. A impostação de que Deus Se nos faz conhecer, sem que nós O vejamos, é o principal na Igreja do Coração de Jesus.
Essa impressão, portanto, é um como que ver a Deus. Creio que esse ponto é absolutamente capital para compreendermos o que são as arquetipizações. Porque embora numa arquetipização possa não estar presente uma graça tão grande quanto à do Coração de Jesus, e se possa conceber uma arquetipização no plano apenas natural e sem presença nenhuma da graça, é fato que a verdadeira arquetipização conduz a uma ideia de como seria uma determinada coisa se ela fosse ainda mais semelhante a Deus.
É, portanto, um ver a Deus em todas as coisas que constitui a alma verdadeiramente católica. Isso não significa, por exemplo, que olhando para uma cadeira estou imaginando o Padre Eterno sentado ali. Não tem propósito! Mas aquela cadeira, se eu a arquetipizo, vejo melhor o por onde ela se parece com o Criador. Logo, buscar a arquetipia de todas as coisas é procurar ver melhor a Deus nelas, e constitui uma operação eminentemente religiosa, ainda que no plano natural.
A isso dou muita importância para se compreender o que é vida interior, o recolhimento notadamente na nossa escola. Porque na escola comum seria, por exemplo, ao ver uma coroa, faço o seguinte raciocínio: coroa é símbolo do poder; então, como é belo o poder que Deus instituiu.
Sem dúvida, é uma via muito boa. Mas faz parte do nosso espírito olhar a coroa e vê-la como um símbolo – na ordem natural e na sobrenatural – mostrando a Deus nesse sentido da arquetipização, isto é, um modo de compor como seria a figura de Deus a partir dessa coroa. Esse meu gosto de arquetipia é, no fundo, um anseio de Deus, mas ainda não explícito. É um desejo imediato de ver uma coisa mais excelente do que a coroa, o qual, de ponto em ponto, me conduzirá a Deus.
Tendência do senso do ser à perfeição
Então, no próprio modo de considerar a coroa entrou um certo estilo de ver a beleza que subconscientemente já está orientado para Deus.
O trabalho do subconsciente aqui eu acho muito importante, porque se foi feito com o mero consciente, sem um movimento da sensibilidade mais ou menos simultâneo, a coisa não se fez como eu estou dizendo. É o livre curso do impulso do senso do ser que tende naturalmente para a excelência do ser. Propriamente a palavra “subconsciente” aqui é um termo tão emaranhado que prefiro me exprimir assim: é o livre curso do impulso do senso do ser rumo à perfeição de todas as coisas no seu próprio gênero.
Essa tendência do senso do ser à perfeição das coisas leva continuamente a um desejo de elevação e, portanto, deve conduzir a pessoa a querer que existam na ordem humana os mais altos representantes dos mais elevados graus que chegam mais perto da perfeição do ser. Por isso, a hierarquia é uma necessidade. Pelo que o senso do ser é eminentemente contrarrevolucionário, porque enquanto o revolucionário quer arrasar todos os seres que representam, dentro da hierarquia, escalas para a perfeição, o contrarrevolucionário tem empenho em que a ordem social e a ordem eclesiástica vão destilando pessoas, e que haja cargos por onde elas vão se aproximando cada vez mais de uma determinada altura, a qual é a plenitude que nos fala mais de Deus.
O estilo grego e o românico
Mas voltando à consideração de ambientes, ao compararmos um edifício em estilo românico com um do estilo grego, que diferença notamos? Uma coisa curiosa, pode haver razões técnicas para isso, eu não discuto, mas as construções gregas têm uma solidez suficiente de maneira a não dar a impressão da fragilidade que preocupa, inquieta, isto é certo. Entretanto, elas não possuem o aspecto de fortaleza e não brilham pela força. Dir-se-ia quase que o grego tem a preocupação de fazer esconder a força do prédio sob o aspecto da ligeireza, da leveza, da elegância.
Então, por exemplo, a coluna grega é, o quanto possível, esguia, lembrando o tronco de uma palmeira, etc. As colunas e todo o prédio românico são pesadões. O edifício tem algo das paredes de uma fortificação, e dá ao espírito uma ideia de luta que de nenhum modo está presente no aspecto da perfeição do universo que o prédio grego quer sustentar e manifestar.
Olhando para o Parthenon, por exemplo, ninguém pode dizer: “Oh, que luta!” Ou exclamar ao ver a Tribuna das Cariátides: “Quanto heroísmo!” Sou entusiasta dessa tribuna, mas isso não se pode afirmar. Aliás, desconfio que as colunas delimitavam uma espécie de periferia e que o templo era um quadradão de alvenaria por dentro. É preciso dizer, desde logo, um quadradão de tal maneira sem graça que, se não fossem o teto e as colunas, seria a coisa menos interessante que poderia haver. Provavelmente, dentro era meio obscuro, mas uma obscuridade inteiramente diferente da existente no românico.
Ao se considerar uma construção românica tem-se a impressão de um homem que carrega um peso sério, preocupações difíceis, mas que estão na altura dele. E que ele tem força, porque é um gigante, para entestar com aquilo e tocar para a frente. Esse é o lado românico. Vê-se também que as qualidades dele são de uma pessoa muito preocupada. Há uma atmosfera difusa de preocupação na obscuridade do templo romano.
Mas nasce o vitral, o qual introduz em tudo isso uma certa forma de beleza, de pulcritude, que completa aquela carranca do prédio românico com algo que não é propriamente a louçania. O edifício românico é muito “pensativo”, muito “preocupado”. As cores do vitral românico não são tais que falem da alegria, da satisfação. Elas falam de uma espécie de doce maravilhoso, de maravilhosa doçura, que se compagina bem com aquilo e que é a meditação em Deus, do homem cansado. Do homem que não vai cantar o “Gloria in excelsis Deo”, o “Magnificat”, mas que também não vai gemer como Jó em cima de seu monturo; entretanto ele encontra um certo consolo no meio da sua tristeza, que é propriamente o bem-estar da consolação, o consolo cristão.
A esperança do Céu começa a iluminar: nasce o gótico
Quando se inicia a Idade Média, isso vai tomando, com a ogiva, um caráter diferente, porque a esperança do Céu vai iluminando aquilo que não está muito presente no românico. O românico parece mais dizer: “Deus te ajuda na Terra. Confia em Deus”. E o gótico parece mais afirmar: “É verdade, Deus te ajuda na Terra, mas isso não é tão importante. O melhor é que Ele te ajuda no Céu. Pensa no Céu! Volta-te para lá! Lá tu terás a explicação de tudo”.
Essa posição, que parece ser a perfeita, começa a fazer desabrochar a leveza dentro da seriedade e da atmosfera de uma igreja que continua com certos traços de fortaleza. Aí sim, os vitrais começam a ter louçania. Também a altura dos templos parece dar um caráter festivo e cheio de esperança, o que se reflete no modo de realizar o culto, os paramentos se tornam esplendorosos, etc. Assim, a partir de um determinado momento a esperança do Céu se acentua mais do que a esperança da ajuda nesta Terra. Para mim, o auge disso e o contrário do românico é a Sainte-Chapelle. É uma maravilha!
Mas também fala muito nesse sentido aquele tipo de coluna gótica que se abre como uma palmeira. Aquilo é muito bonito e já fala de um mundo em que a seriedade se tornou leve, de tal maneira ela venceu a dor e a aflição sem ter fugido. Na ordem do espírito, aquele guarda-sol é quase o primeiro precursor da aeronáutica, pois faz pensar um pouquinho numa ligeireza que nos vai levar para o Céu, vai girando e conduzindo nossas almas para regiões azuis que elas devem contemplar.
Nesse sentido, o gótico aparece menos consolante do que o românico. Para o homem desolado que entra em um edifício deste estilo, o românico parece dizer afetuosamente: “Sente-se, sofra, eu vou ajudá-lo no seu sofrimento”. O gótico é outra coisa. Ele como que diz o contrário: “Tome rápido contato comigo que seu sofrimento passa logo. Eu o levo para as regiões do Céu”. São os braços de Deus que se baixaram para elevar o homem. É um pouquinho como um pai ou uma mãe que se inclina sobre uma criancinha com dificuldade de andar e a suspende. Assim é o gótico conosco.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/11/1986)
Revista Dr Plinio 259 (Outubro de 2019)