A oração da manhã
Por vezes, pondera Dr. Plinio, sentimos aspirações legítimas, frutos da graça que opera de modo diferente nos corações. Assim, pela manhã nos vem o desejo de dizer alguma coisa especial a Nosso Senhor e a Nossa Senhora. Devemos, pois, seguir essa aspiração e variar nossa primeira prece do dia.
Uma importante questão que alguém chamado a uma vocação especial deve se pôr é esta: como fazer a oração da manhã mais conforme à missão para a qual lhe escolheu a Providência?
Compreende-se a pergunta, posto que um religioso — beneditino, franciscano, jesuíta, etc. — precisa iniciar seu dia elevando a Deus uma prece segundo a espiritualidade própria da ordem à qual pertence.
O mesmo princípio se aplica às outras vocações. Por exemplo, um apóstolo que, por determinadas circunstâncias, exporá sua vida pela causa da Igreja e de Nossa Senhora, não pode fazer a oração da manhã de um tabelião católico, pois este passa o dia todo lendo e escrevendo…
As variações de uma boa oração da manhã
Porém, ao invés de apresentar uma fórmula de oração matutina, parece-me de maior interesse indicar os fundamentos que devem norteá-la.
Primeiramente, julgo preferível que ela seja mutável, porque a perpétua repetição de um mesmo texto acaba ocasionando aridez e cansaço para um incontável número de almas. A fim de obviar esse inconveniente, há uma série de critérios que podem ser adotados, também variáveis de acordo com as pessoas.
Às vezes sentimos aspirações legítimas, frutos da graça que opera de modo diferente nos corações. Assim, pela manhã nos vem o desejo de dizer alguma coisa especial a Nosso Senhor e a Nossa Senhora: devemos seguir essa aspiração e, procurando evitar a padronização, variar nossa prece.
Contudo, se durante anos uma fórmula corresponde inteiramente aos nossos anseios, não convém alterá-la.
Por outro lado, quando começamos a ter dificuldades em prestar atenção num texto que há tempos utilizamos, não raro essa desatenção é motivo suficiente para modificá-lo.
Cumpre acrescentar, entretanto, que essa mudança não se faz de modo simples: possui matizes, diversidades segundo cada indivíduo, como tudo que é próprio à vida espiritual.
Atos de culto e de oferecimento
Tendo em vista esses pressupostos, passo a apresentar alguns critérios que podem servir para a oração da manhã.
Em primeiro lugar, é plausível que façamos a Deus um ato de culto que se desdobra em três partes: adoração, ação de graças e petição.
Na adoração, a pessoa poderia dizer: “Considerando que Vós sois meu fim último, minha alegria, sois quem sois, logo que me levanto quero vos manifestar minha adoração, minha admiração total, meu amor e meu temor inteiros”.
E na ação de graças: “Eu vos dou graças por me terdes concedido uma noite tranquila”.
Por fim, na petição deve-se rogar as graças espirituais e os favores temporais de que necessitaremos durante o dia.
Vemos, assim, como essa oração da manhã não possui fórmula fixa, mas precisa ser articulada todos os dias.
Além disso, convém que nela haja um ato de oferecimento. O Altíssimo nos deu a vida e tem direito sobre o que é nosso. Donde lhe oferecermos tudo quanto faremos naquele dia, segundo determinadas intenções.
Particularidades da oração de quem se consagrou a Nossa Senhora
Vale acrescentar que, para quem se consagrou como escravo de amor a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, o mais perfeito é oferecer o dia à Santíssima Virgem, para que Ela disponha de nós como Lhe aprouver ao longo daquela jornada.
Sobretudo devemos ter em vista nossa vocação específica: cada um de nós foi suscitado para servir à Igreja e colaborar na vitória da Contra-Revolução.
Em outros termos, por meio das ações que praticaremos durante o dia, por nossos desejos e orações, contribuiremos para apressar o momento em que o demônio seja derrotado e se instaure no mundo o Reino de Jesus por Maria.
Sendo assim, devemos pedir a Nossa Senhora graças próprias ao nosso chamado, tais como: um espírito voltado para os imponderáveis e os inverossímeis(1); o desapego das coisas opostas ou alheias à nossa missão; o pensar, querer e agir em função de nosso apostolado; e os dons inerentes ao fato de sermos católicos militantes, aos quais é necessária uma particular virtude da fortaleza.
Portanto, implorar a Maria Santíssima que nos alcance forças para lutarmos contra o que há de ruim em nós e em torno de nós, para amarmos o bem e rejeitarmos toda forma de mal.
Amor à vocação, castidade e obediência
Mais. É necessário também rogarmos a Nossa Senhora a graça de amarmos nosso movimento e, neste, aqueles que devem ser nossos modelos. Que Ela nos obtenha o dom de uma castidade ilibada e de uma obediência perfeita aos superiores dispostos por Deus em nosso caminho; e nos assista em cada ação por nós praticada, a fim de multiplicar sua eficácia e provocar a efetiva queda da Revolução, bem como para que contribuam na formação de almas conformes ao Coração Imaculado d’Ela.
Compreende-se que alguns ou muitos não terão tempo para formular tantas intenções numa oração da manhã que não se deve prolongar. Não precisamos rezar diariamente tudo isso acima considerado. Basta termos anotados esses pontos e dizermos, com simplicidade e confiança, a Nossa Senhora: “Minha Mãe, peço-vos tudo o que aqui está escrito, especialmente tal coisa”, ou: “consagro-vos meu dia particularmente em tal intenção”, etc.
Oferecer os reveses e as cruzes
Certos dias, ao nos levantarmos de manhã, já nos deparamos com algo desagradável à nossa espera. Devemos então dizer: “Está bem. ‘Sit in nomine Domini benedictum’ (seja bendito em nome do Senhor)! Trata-se de uma pequena cruz que oferecerei de boa vontade a Nossa Senhora”.
Como se sabe, conforme o ensinamento da pequena via de Santa Teresinha, o bom aproveitamento das diminutas coisas desagradáveis redunda num fator extraordinário para o progresso na vida espiritual. Portanto, não percamos nenhuma oportunidade de oferecê-las à Santíssima Virgem, que delas colherá os melhores frutos.
Pelo auxílio mútuo dos que galgam a montanha da vocação
Nesse rol de intenções não poderia faltar uma que me parece sobremodo importante. Com efeito, nosso movimento pode ser comparado a um grupo de pessoas que, sob raios caídos do céu, escala uma montanha escorregadia, e nessa ascensão a cada momento surgem riscos e dificuldades diversos. Cumpre, então, pensarmos nessa espécie de drama que é a luta individual e interior de cada um de nós, esforçando-se para alcançar o alto do monte, ao mesmo tempo que procura auxiliar o irmão de vocação para juntos subirem até o topo. Considerando não apenas os riscos, mas também todas as glórias e belezas que tal ascensão traz consigo, peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a empreendê-la.
E outro ponto importante: quantos dos que hoje me ouvem, ainda ontem perambulavam pelo mundo, expostos a quantos riscos, incertezas, dificuldades! Foram resgatados do caminho extraviado pelo qual andavam e conduzidos às sendas da vocação. Lembremo-nos disso, e rezemos de modo particular pelas almas chamadas a pertencer ao nosso movimento, para que elas não se desviem e percorram seu itinerário até nós. Eis uma intenção das mais meritórias e aconselháveis, a ser incluída na oração da manhã.
Reiterar as intenções ao longo do dia
Concluo, ponderando que todas essas intenções podem ser colocadas ao longo do dia em nossas práticas de piedade: na ação de graças após a Comunhão, na recitação do Rosário, nas visitas ao Santíssimo, etc. Claro está, postas de manhã, têm elas o mérito de projetar uma luz sobre o dia inteiro, além da beleza especial e intrínseca própria a essa primeira homenagem da alma que “acorda” e se volta para Deus.
Beleza esta, aliás, muito conforme à natureza das coisas. O primeiro brilho da aurora, o primeiro voo de um pássaro, enfim, todos os primeiros acontecimentos se revestem de uma forma de graça natural e de glória peculiar, que é uma imagem desse primeiro e matutino movimento da alma se dirigindo ao seu Criador.
(Extraído de conferência em 10/8/1965)
1) Dr. Plinio empregava tais palavras para designar especialmente as ações sobrenaturais que não têm peso físico (imponderáveis); e os fatos cuja realização não se explicam através da mera razão, mas sobretudo pela fé (inverossímeis).