Voz do povo, voz de Deus
Para compreendermos toda a riqueza potencial de uma determinada nação, a sua capacidade de florescer e atingir a plenitude de desenvolvimento, importa tomarmos em consideração este princípio: a fisionomia completa, quer da sociedade pequena, quer da grande, só se conhece nas suas originalidades. Desse modo, quando chegamos a entender o que um povo tem de único, e damos às suas legítimas peculiaridades o espaço que merecem na vida, a pujança latente desse povo emerge à luz do sol.
E tais originalidades vamos encontrá-las, por excelência, nos costumes e organizações regionais.
A meu ver, a região é uma criatura de Deus num sentido especial da palavra. Assim como Ele criou o universo, constituiu também micro-universos — as regiões — cada qual com uma forma de natureza própria que se distingue do conjunto do país, como a espécie se distingue do gênero, determinando o sabor orgânico da regionalidade.
Mais ainda. Para que a colaboração popular seja proveitosa e possa dar o seu melhor, é preciso saber interrogar a gente nessas suas originalidades, para deixá‑la dizer o que tem a manifestar. Daí os foros em Portugal e, algo mais característico, as autonomias de certas regiões da Espanha, às vezes reivindicadas de maneira não muito pacífica…; outras, porém, revelando pitorescos e encantadores costumes que são a boa voz do povo se exprimindo e construindo uma civilização conforme os desígnios divinos. Como diz acertadamente o provérbio: “vox populi Dei, vox Dei”.
Exemplo paradigmático desse regionalismo e dessa originalidade acredito ser o célebre Vale do Roncal, na Navarra espanhola. Havia ali diversas aldeias, cada qual com autonomia e independência de pequena república, representando algo que me parece um néctar: é uma republicazinha, não por razão metafísica, por julgar a monarquia injusta, mas por motivos consuetudinários, ciente de ser esta a melhor forma de existirem. Compreendem e amam o Rei, mas conservam seus direitos, tradições e valores de aldeias.
Tenho a impressão de que nada se compara ao sabor dessa característica regional. Não é a aristocracia, e sim o povo como deve ser organizado. Na sua admirável autonomia, porém amando a autoridade suprema do país. Daí o privilégio concedido aos roncaleses de enviar, em determinadas épocas do ano, filhos de sua região para servirem como sentinelas junto à porta dos aposentos do soberano espanhol…
Coisa popular, sendo entretanto rica e até senhoril, de quem afirma: “Não somos nobres, mas há nobreza na nossa condição, e por causa disso temos nexo com os primeiros da nação. Embora não lhes sejamos iguais, somos os degraus de uma mesma escada, de um mesmo mármore.”
Isto é o orgânico, que nasce, floresce e não possui cópia no mundo inteiro. É a originalidade da expansão popular, surgida do profundo dos costumes, do dia a dia, etc., fazendo ouvir a sua voz a ecoar pela História.
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 89 (Agosto de 2005)