imponente e majestoso, mas sorridente e afável
No Castelo de Versailles há um contraste muito inteligente entre o imponente, majestoso, sério, forte, coerente, e o risonho, afável, amável, aprazível, convidando a pessoa que o contempla a ficar à vontade junto de tanta grandeza.
Na paisagem dentro da qual se insere a fachada do Castelo de Versailles que dá para os jardins, veem-se quatro elementos distintos. Em primeiro lugar, o próprio castelo, depois o lago ou tanque, os jardins e, por fim, o céu com as nuvens. Cada uma dessas coisas, dentro da perspectiva francesa, merece ser mencionada.
A arte que não tem mistérios manifesta a mediocridade
É interessante notar como tudo isso, para olhar de um relance só, é simples e completo. Porque ao se contemplar esse panorama gosta-se dele diretamente. É bonito, agradável e não oferece mistérios.
Aliás, uma característica da arte desse tempo, que por um lado manifesta a mediocridade e, por outro, a grandeza – mas onde o aspecto de mediocridade é enormemente maior do que o de grandeza –, é precisamente não ter mistérios; tudo está explicado.
Nota-se nos jardins uma riqueza de coloridos, de formas e de contornos extraordinária. Sucedem-se linhas sinuosas ora compostas de folhagem, ora de grama, ora ainda de flores em abundância, onde prepondera o formato arredondado.
O lago, com um bordo de mármore, tem no centro um chafariz. Nos ângulos há também pequenos esguichos, de maneira que, quando soltam as águas, forma-se uma espécie de imensa catedral aquática com arcos e volutas; a água jorra de um lado e de outro produzindo uma fantasia de movimentos, todos muito harmoniosos e sóbrios, dentro da sua pluralidade, e constituindo uma espécie de castelo de água em frente ao castelo de pedra.
O castelo propriamente dito é de uma cor meio indefinível, um pouco parecida com âmbar, um material um tanto dado a creme, tão discreta que quem olha acha bonita, mas não pensa diretamente na cor do castelo; a ideia da cor passa meio desapercebida.
O edifício apresenta em relação ao jardim um contraste flagrante porque, enquanto o jardim é todo feito de sinuosidade e policromias, o palácio é composto de ângulos, linhas retas, onde há quase o excesso do duro contrastando com o quase excessivo do sinuoso. Exatamente ao se tocarem, esses quase excessos descansam a vista e dão uma espécie de harmonia.
As nuvens compensam o que falta ao castelo
Há, portanto, um contraste muito inteligente, bem pensado, entre o imponente, majestoso, sério, forte, coerente – de uma coerência cartesiana e quase hirta – e o risonho, afável, amável, aprazível, convidando a ficar à vontade junto de tanta grandeza.
A água confere ao panorama uma variedade agradável. Nem tudo é flor, mas também nem tudo é água. Imaginem que isso fosse um aguaceiro; esse castelo, todo hirto e reto, tendo sua hirteza dentro da água: que melancolia! Por outro lado, se não tivesse a água, mas apenas flores, ficava um pouco monótono. A água dá uma nota nova diante de tanta variedade e confere ao todo uma poesia tão natural, que se tem a impressão de que isso não foi pensado. Para o gosto da época, o suprassumo era fazer algo artificial tão bem elaborado que desse a impressão de ser natural.
O mesmo se dava com as boas maneiras. A elegância deveria ser tão natural que desse a impressão de proceder da natureza humana, sem a necessidade de estudo nenhum. Daí um empenho em apresentar as coisas de tal jeito, que a elaboração mais requintada não parecia senão uma decorrência suave e natural de todas as coisas.
Por cima de tudo isso, vemos o céu. O fotógrafo apanhou as nuvens num momento muito feliz. Evidentemente, essas nuvens não foram postas aí por Luís XIV, mas creio ter havido uma grande coincidência ou um fotógrafo muito inteligente que soube quais nuvens apanhar, porque elas estão com a configuração exata para adornar a fotografia.
Nota-se aí o gênio francês. Um suíço, por exemplo, preferiria um céu inteiramente azul, quanto mais azul, mais bonito. Isso ficaria bem em outro panorama, aqui não. Essas nuvens compensam o que falta de mistério.
Inicialmente muito brancas e até luminosas, mas com uma massa um pouco grande, a partir de certo ponto vão se diluindo e escurecendo. Tem-se a impressão de ser algo que sobe e vai se avolumando por cima do castelo, construindo o começo de um drama sobre o castelo risonho e o céu azul. Dir-se-ia serem os primeiros sinais da Revolução Francesa misturados com as últimas glórias da monarquia.
Tudo quanto é grande, ou tem algo de heroico ou de um pouco trágico, ou perde a sua grandeza. Ao Castelo de Versailles, em alguns dias falta essa nota trágica, heroica, misteriosa. As nuvens compõem isso perfeitamente.
Temos, assim, uma paisagem aparentemente tão simples que se diria que uma criança riscou essa fachada, outra plantou esse jardim e tudo ficou muito bonito por coincidência.
Confronto entre a mentalidade francesa e a norte-americana
Para compreendermos bem a diferença de uma civilização para outra e sabermos fazer o confronto entre essa mentalidade e a norte-americana, por exemplo, tomemos o papel da costura na moda francesa e na moda norte-americana.
Na moda francesa, quanto menos a costura aparecer, mais bonito é. Porque as coisas devem dar a impressão de não modeladas, espontâneas. E quando numa roupa não há remédio senão aparecer costura, na moda francesa de outros tempos punham-se sobre a costura alamares de ouro e de prata para dar a entender que aquele tecido não tinha sido costurado, mas constituía um pedaço homogêneo da fazenda, no qual com toda a naturalidade o marquês, por exemplo, tinha entrado.
O sapato era de verniz e, quando o homem era nobre, com salto alto e vermelho, fivelas de ouro ou de prata. O ideal era também dar a ideia de que o calçado não tinha costura, de maneira tal que o único lugar onde ela aparecia era atrás, porque era inevitável, e assim mesmo, a menor possível, por onde só uma pessoa com olho agudo percebesse.
O norte-americano transformou a costura numa pretensão a adorno. Então, sapatos em que a costura é feita no peito do pé e ainda se faz um babado e cose por cima para ficar uma sutura evidente. Nas roupas, bolso postiço por fora numa tentativa de transformar a costura, outrora escondida, num enfeite.
São dois mundos, duas épocas, duas mentalidades. A época simbolizada por Versailles é a da naturalidade diáfana, leve risonha, ultra pensada, e que, depois de chegar à obra-prima de si mesma, apresenta-se com naturalidade e diz: “Eu sou assim”. É a última expressão de elegância, dentro da concepção francesa.
Poder-se-á dizer a respeito dessa concepção tudo quanto se queira; entretanto, ninguém poderá afirmar que ela é medíocre. A meu ver, ela é propriamente extraordinária.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/6/1969)