Quando o sol e o vitral se tornam um
Sempre me comprouve pensar que a Santa Igreja, e com ela a palavra “católico”, é como um vitral sobre o qual incide a luz da História e esta vai fazendo o percurso do astro soberano. O vitral se reveste de um aspecto na madrugada, na iminência da aurora. Em seguida, adquire outra aparência na manhã, outra ao meio-dia, e assim por diante, nas várias fases do dia até o entardecer. E ainda manifesta extrema beleza quando é tocado pelas derradeiras fulgurações do sol, e vemos suas cores brilharem discretamente, como quem nos diz: “Meu filho, até amanhã. Eu voltarei a reluzir…”
Assim, cada época histórica tem o seu modo de contemplar a Igreja, de senti-la, sem contradizer nem se opor à visualização da época anterior. Como, por exemplo, no vitral o aspecto do meio-dia não contradiz o matutino nem o vespertino, mas é um desdobrar de sucessivas facetas que se completam. Para a Esposa Mística de Cristo, essa sucessão caminhará rumo à plenitude, alcançada no fim dos tempos, quando as Igrejas militante e penitente se unirão à gloriosa no Céu. Será o maior, perene e esplendoroso reluzimento do vitral, o momento em que o sol nele se encostou e se tornaram um só!
Essa consideração suscita a pergunta: como terão as várias épocas do passado admirado a Igreja? Em especial, como foi ela vista pela Idade Média?
Ressalvando que essa análise não pretende estabelecer que as almas piedosas de outras eras históricas compreendiam menos bem a Igreja do que as medievais, creio haverem estas ter dado início a uma forma de conceber a Santa Igreja pela qual passou a ser considerada não só como espelho da luz eterna na ordem espiritual, mas também no campo temporal. Quer dizer, tomava-se consciência dessa prerrogativa que Ela sempre possuiu, e desse modo uma certa relação entre as duas ordens ia nascendo de maneira a formar uma civilização inteiramente filha da Igreja, por esta batizada e adornada.
Porém, uma coisa é a jóia que uma senhora recebe de presente e usa. Outra, a jóia que ela encomenda de acordo com os seus sonhos.
As civilizações grega, romana e outras em que transcorreu a existência da Igreja, não foram as que Ela desenhou para si. Foram civilizações constituídas pela História as quais a Igreja bondosa e maternalmente adotou, abençoou e utilizou como mãe para regalo e benefício desses povos.
Não assim com a sociedade medieval. Quando se deu a decadência e o esfacelamento do Império Romano do Ocidente, a Igreja recomeçou a construir o mundo europeu, aproveitando alguns brilhantes da jóia antiga para uma montagem nova onde Ela, por assim dizer, encomendou ao Pai Celeste outro tesouro de brilhantes, incrustando-os aqui, lá e acolá, fazendo florescer a civilização especificamente cristã da Idade Média.
Assim, a Igreja e a cristandade constituíam entre si mais ou menos como dois espelhos paralelos tendo no centro o mesmo foco de luz: multiplicavam, portanto, essa luz, um no outro de maneira indefinida. Espelho imensamente maior, a Igreja; o menor, a ordem temporal, mas as duas ordens se iluminando e irradiando uma na outra, dando origem a tantas maravilhas na arte, na cultura, na política, etc., admiradas até os dias de hoje.
Nesse sentido, poder-se-ia avolumar os exemplos que ilustram tal paralelismo entre as ordens espiritual e temporal na Idade Média. Limito-me, entretanto, a evocar aqui apenas um: as torres.
Pensemos na torre de uma igreja e na de um castelo. Como são congêneres, como é fácil transformar uma torre de castelo em torre de igreja! De outro lado, como a torre da igreja prepara a vista para compreender e amar a torre do castelo! Numa palavra, como o castelo e a igreja são irmãos!
De fato, no fundo todo castelo é um escrínio que contém uma capela, e nesta, a parte mais sagrada é o tabernáculo. Nesse sacrário, o objeto mais valioso é o cibório no qual se encerram as espécies eucarísticas, ou seja, o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente em corpo, sangue, alma e divindade.
É uma das mais belas conjugações de temporal e espiritual, de sol e vitral que se osculam, se irmanam e se tornam um só.
Plinio Corrêa de Oliveira