Comentários à oração composta por Santo Agostinho ao Divino Espírito Santo

Prece ao Espírito Santo

Ó Divino amor, ó vínculo sagrado que unis o Pai e o Filho, Espírito onipotente, fiel consolador dos aflitos, penetrai nos abismos profundos do meu coração e fazei aí brilhar vossa resplandecente luz. Derramai vosso doce orvalho sobre essa terra deserta, a fim de fazer cessar sua longa aridez. Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma, de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores.

Vinde, vinde doce Consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada.

Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordícies, e que curais suas chagas.

Vinde, força dos fracos, apoio daqueles que caem.

Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.

Vinde, Pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência.

Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos que náufragos.

Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos.

Vinde, ó Espírito santo, vinde e tende piedade de mim. Tornai minha alma simples, dócil e fiel, e condescendei com minha fraqueza. Condescendei com tanta bondade, que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita, minha impotência diante de vossa força, minhas ofensas diante da multidão de vossas misericórdias. Amém.

(Fonte: prière au Saint-Esprit tirée des oeuvres du grand Docteur de l’Eglise d’Occident)

 

Eu queria, antes de ser feita leitura, dizer o seguinte: o voo que essa oração tem, ainda quando não se detenha em analisar cada palavra. Mas Santo Agostinho começa e já vai voando não sei para que altura.

A oração é lindíssima e há passagens que é preciso considerar.

“Fiel consolador dos aflitos”. – A consolação não é apenas trazer um sentimento de doçura e de ânimo que possa compensar a aflição que se está sofrendo. Mas é o fortificador. “Consolador” propriamente é dar força. Então “fiel consolador” é quem dá força sempre. Tonificador e fortificador contínuo dos aflitos: isso nos dá muito mais precisão do que nós devemos pedir. Não é apenas que tenhamos uma sensação de alento, de ânimo, de doçura, nos abrolhos de uma provação muito profunda, mas que tenhamos a força para resistir a essa provação. E não se trata de uma força de bravata, de espadachim, é uma força forte mesmo! É disso que se trata.

“…penetrai nos abismos profundos do meu coração e fazei aí brilhar vossa resplandecente luz”. – Aqui também é necessário considerar a palavra “coração”. Ela abrange a afetividade e ocupa aí não um lugar de contrabando, mas um lugar digno, porém é muito mais: são os abismos da alma onde se desenrola a Revolução tendencial; é – digamos assim – um certo “subconsciente da alma”. Então pede que esta força do Divino Espírito Santo penetre aí e que dê à pessoa o que é próprio à força. É um lugar misterioso da alma em que há trevas: é difícil perceber o que lá dentro se passa.

Outro elemento a se observar: não pede tanto uma palavra quanto uma luz. Os senhores vêem o alcance da oração.

“Derramai vosso doce orvalho sobre essa terra deserta, a fim de fazer cessar sua longa aridez.” – Ele supõe que as profundezas desta alma estejam na aridez. É, portanto, uma alma que está atormentada pela provação da aridez. O que pede então para isso? “Vosso doce orvalho sobre essa terra deserta…” Os senhores estão vendo que aí está mais próximo da palavra “consolação” no sentido comum do termo, ou seja, é um bálsamo, uma suavidade, um orvalho, algo desse gênero.

“…vosso doce orvalho sobre essa terra deserta.” – Ele não se refere a uma terra seca, mas é uma terra onde não há nada, uma terra vazia. E é nesse vazio da alma que deve vir um doce orvalho. São esses vazios interiores que se tem e que se traduzem do seguinte modo: cada um de nós – isso constitui até uma obrigação de polidez – no trato, causa a impressão de bem-estar, de satisfação, etc. Porém há uma certa região da alma onde, por efeito do pecado original, a pessoa sente a saciedade de si mesmo e ao mesmo tempo uma espécie de insuficiência. Não se basta a si próprio, sente-se uma solidão interior que constitui um tormento. E querer fazer cessar esse tormento é uma das molas do instinto de sociabilidade. A pessoa fica com a ideia de que a companhia de A, B ou C pode estancar esse sentimento de carência e não há maior engano, porque ninguém pode fazê-lo a não ser o Divino Espírito Santo. E qualquer outra coisa que não seja isso, é uma ilusão e uma estupidez que não tem nome.

“Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma, de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores.” – Os senhores estão vendo que ele toma esta “terra deserta” e a trata ao mesmo tempo de “santuário”, porque há uma continuidade na descrição do estado de alma da pessoa.

Diz: “Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma“ – Esta terra deserta é ao mesmo tempo um santuário. Mas um santuário que ele figura abandonado, que compara a uma terra deserta. É um santuário que está no escuro. Como isso descreve bem certos estados de alma, certas crises espirituais, em que o interior da alma é ao mesmo tempo uma terra deserta e um santuário no escuro.

Não sei se lhes é tão claro quanto me parece a ideia do santuário no escuro que precisa ser penetrado pelas flechas vindas do Céu, que só elas podem penetrar até lá. Vê-se que ele não espera de outrem esta solução, nem este arranjo. São as flechadas, os dardos vindos do Céu que podem penetrar nesta terra deserta e fazer ali algo que só Deus pode realizar.

“Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma”. – O amor sobrenatural a Deus é algo que de Deus parte, que Ele mesmo dá. E que quando não dá, não vem de dentro da alma. É um dom dEle. E é pela oração que  devemos obter esse dom. E devemos pedi-lo por meio de Nossa Senhora, a Medianeira universal de todas as graças. E quando nossa alma está como terra deserta, ou santuário na obscuridão, é este o momento exato de pedir isto que vem do Céu, e que se acende porque só Deus pode iluminar isto. Só Deus pode acender, só Deus pode reacender e dEle é que tudo isso procede, a rogos de Nossa Senhora. Como é útil nós nos lembrarmos disso na nossa vida espiritual!

“…de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores”. – Então, é nesta terra deserta, nas sombras tenebrosas desse santuário que está no escuro, que há “faiblesse, négligence et langueur” (fraquezas, negligências e langores). A enumeração é muito saborosa, porque não menciona perfídias, maldades, intenções atrozes, crueldades. Ele toma uma certa família de defeitos e menciona. Esses defeitos são: as fraquezas; negligências, que são um fruto da fraqueza: quando o indivíduo não resiste à fraqueza, o fruto normal é a negligência; langores… É quase a causa e o efeito. Os langores vêm das fraquezas, estas e os langores produzem as negligências. É, portanto, a alma mole.

Isso é um estado de alma de um número incontável de fiéis de nossos dias diante da situação da Igreja Católica. E se os bons da causa da Contra-Revolução são tão isolados e tão abandonados, não o seriam se simplesmente essas almas não fossem nem negligentes, nem fracas, nem langorosas. Aqui Santo Agostinho tem em vista – por uma razão que não sei qual seja – uma linha especial de almas. Não são os bandidos, não são os que conspiram em guerras, os que querem morticínios, não é disso que se trata. Ele tem aqui especialmente em consideração os “santuários abandonados”, esse gênero de fraqueza e de moleza…

“Vinde, vinde doce Consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada”. – Considerem bem aqui a ideia de uma doçura forte, ou de uma força doce. É muito próprio ao sabor das coisas celestes nos fazerem sentir a bondade, a doçura de Deus, ao mesmo tempo que “ipso facto” comunicam uma força muito grande. Por exemplo, quando somos objeto de uma graça que nos fale da doçura do Sagrado Coração de Jesus ou do Imaculado Coração de Maria, e experimentamos tal doçura. Sem percebermos saímos mais resistentes às tentações, mais fortes no perigo, mais perseverantes na Fé. Quer dizer, uma doçura que comunica força! Não há, portanto, uma dicotomia entre força de um lado e doçura de outro. A doçura comunica força, a força comunica doçura. É  uma coisa só.

“…doce Consolador das almas desoladas”. – A desolação não é uma tristeza qualquer. É uma espécie de auge, de píncaro de tristeza. Na linguagem comum, quando se diz “estou desolado”, não se quer dizer apenas que estou muito triste. Mas “estou tristíssimo, em mim não há quase senão tristeza”. Não exclui naturalmente a fórmula de cortesia: “Estou desolado, estou…” Não exclui isso. Mas aí a palavra fica balofa, como tantas coisas que a cortesia neo-pagã torna balofas. Entretanto o sentido próprio da desolação é esse. Nós podemos falar da desolação de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras, pois foi uma desolação.

“…refúgio nos perigos”. Quais são os perigos? Os perigos que ele tem em vista não são principalmente os do corpo, mas os que afetam a alma. A salvação da alma é continuamente posta em perigo por toda espécie de circunstâncias. O refúgio nesse perigo é o Divino Espírito Santo, com suas graças, sua ação nas profundidades de nossa alma, etc. E com isso eu gostaria – se me fosse possível – comunicar às almas uma certa segurança. As pessoas sentindo dentro de si o enigmático desse santuário no escuro e desta terra árida, ficam achando que têm dentro delas problemas que não vão vencer, e se põem meio desanimadas de continuar no caminho da salvação. Se se tiver em vista que o Divino Espírito Santo é o Esposo de Nossa Senhora, e que não recusa coisa nenhuma a Ela, as pessoas terão ânimo, porque para tudo isso o Espírito Santo é o remédio. Podem pedir as graças dEle e obterão.

“…Protetor na aflição desamparada” (détresse). – “Détresse” é uma palavra muito bonita. “Détresse” é uma aflição desamparada, um apuro muito carregado. Quantas situações de vida espiritual há assim? A pessoa está na “détresse”, pede ao Espírito Santo e contra o curso normal dos seus pensamentos, a concatenação normal das suas idéias, a pessoa sai da “détresse”. É uma impressão qualquer, uma coisa qualquer, que toca a alma e muda. É a ação do Divino Espírito Santo…

“Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordícies, e que curais suas chagas”. – A construção da frase, se está bem traduzida do latim, é a seguinte: Vós sois quem por excelência lava as almas. Quer dizer, “Vós que fazeis isto”, inclina o espírito a admitir: “Vós que sois o único a fazer isto”. É para onde propende o espírito.

Aqui, mais uma vez, é um alento cheio de doçura. Porque as pessoas muitas vezes consideram o interior de suas almas e notam-no tão cheio de chagas purulentas, tão cheias de sordícies, que a pessoa desanima. Mas é claro que vai desanimar, porque ela não tem força para isso! É preciso uma força do Céu que lhe dê ânimo, que lhe dê meios para isto, ou que opere isto, por vezes sem que ela tenha que fazer outra coisa senão dizer “sim”. Entra aquela luz e cura a alma…

Mas por que, na nossa vida espiritual, não temos toda a esperança, todo o ardor que este modo de ver a ação do Espírito Santo comunica? É ou não verdade que essa consideração daria às nossas almas outro “élan” para subir, para continuar para frente do que habitualmente nós temos?

“Vinde, força dos fracos, apoio daqueles que caem”. – É tão claro que não tenho nada a dizer.

“Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.” – Isso é muito bonito! O doutor que esclarece, que ensina aos que são humildes, antes de tudo em face dEle. E que, portanto, não são orgulhosos que imaginam que sua cabeça contém a solução para todos os problemas, mas sabem que é o Divino Espírito Santo que possui a solução para todos os problemas. E que é preciso rezar, é preciso pedir, é preciso implorar, mas implorar muitas vezes e com humildade. Eu não resolvo, eu Plinio, porque não sou capaz de resolver! Mas se eu rezar, também não obtenho. Se eu pedir por meio de Nossa Senhora, Ela que é Mãe de misericórdia reza por mim e Ela obtém. Mas aí é fácil, é seguro e é rápido que obterei. Isso me mantém alegre e de pé no meio das aflições que todo homem tem no meio desse vale de lágrimas. Eu tenho receio de estar dizendo banalidades…

A oração tem uma concisão, uma substância extraordinária!

“Vinde, Pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência”. – Aqui também se deve considerar o lado da vida espiritual, que é sempre o que o Santo tem em vista antes de tudo: a santificação de quem vai rezar, que vai usar a fórmula.

“…Pai dos órfãos…” – Quanto órfão existe em matéria de vida espiritual! (…) Como o homem ao longo da viagem nesta terra é um órfão! Ainda que ele atinja os 81 anos, é um órfão! Então Ele é Pai dos homens que sentem a terrível orfandade desta vida. Esta vida é uma orfandade.

“…Pai dos órfãos, esperança dos pobres…” – É aquele que não tem nada para esperar, e que internamente é um pobre, quer dizer, não tem títulos para pedir, não tem direito quase de pedir, vive da misericórdia. É dele que o Divino Espírito Santo é Pai cheio de bondade, de acessibilidade.

“…tesouro dos que estão na indigência” – Não temos diante de Deus méritos nenhum para alegar. Estamos na indigência. Mas o Divino Espírito Santo é o nosso tesouro. Nós pedimos e Ele dá.

Estão vendo quanta substância contém essa oração e quão magnífica ela é?!

“Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos que náufragos”. – São dois conceitos: um é a estrela dos navegantes. O que lembra a invocação a Nossa Senhora: Ave Maris Stella. Se Ela é a Estrela do Mar, Ela é a Estrela dos que navegam, evidentemente. Mas, então, por que se diz do Espírito Santo a mesma coisa que d’Ela se diz? Porque o que se diz da Esposa, se diz também do Esposo. E Ela é a Estrela dos navegantes porque Ela é a Esposa mística daquele que é a Estrela dos navegantes por excelência, que é o Divino Espírito Santo.

Ou seja, para todos que vão andando pela vida, com os seus riscos, com seus problemas, etc., a Estrela é o Divino Espírito Santo. Ele fala primeiro dos navegantes e depois dos náufragos. O náufrago… pode se imaginar o navio que se destroçou. O sujeito se agarra a um destroço, a uma “épave”, e vai por onde as águas tocam. De repente, as correntes marítimas o levam para dentro de um porto. Esse porto é o Divino Espírito Santo. Quer dizer, os vagalhões da alma, das paixões, levam o homem de um lado para outro e ele está entregue às apetências mais desregradas, aos orgulhos mais desordenados, às coisas mais sem remédio. Para ele não há mais porto. Não há mais!… Ou seja, não haveria se não fosse a oração de Nossa Senhora ao Divino Espírito Santo, que é o porto seguro dos que naufragaram. Entrou lá, está tudo resolvido.

“Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos”. – Vejam que bonita alternativa: força dos vivos e salvação dos que moribundos! Quase não se tem o que dizer… O homem está vivo, a vida é uma luta, ele precisa ter força. Mas ao morrer, precisa de uma graça autônoma de todas as que recebeu na vida: é a graça da boa morte. E esta salvação a pessoa tem se rezar ao Divino Espírito Santo.

Eu toda a vida considerei muito pungente aquela cerimônia que havia nas arenas antes de começar o martírio. Havia jogo de gladiadores, depois imolavam os mártires. E os gladiadores entravam em ordem, paravam diante da tribuna do Imperador, e diziam: “Saudação a ti, ó César, os que vão morrer te saúdam! – Ave Caesar, morituri te salutant!” Quer dizer, uma coisa pungente. Aquele César – em geral um soldadão tosco, boçal, semi-bêbado, sensual, ordinário, venal, que tinha subido comprando seu cargo, refestelado na segurança da tribuna imperial – vê chegar junto a ele os que vêm em marcha, fortes, jovens, com espadas, com tridentes, com redes, com lanças, etc., para começarem o combate. E sabe que vão lutar apenas para divertir aquele pândego que está ali em cima! Situação triste na vida, mas é isto: são os “morituri” (os que vão morrer). Todo homem, quando está na iminência da morte, pode dizer não a um César imundo, mas a Deus infinitamente perfeito: “Ave, ó Deus, o que vai morrer te saúda!” É a última saudação antes da morte! Pois bem, para que essa saudação seja perfeita, é necessário o auxílio do Divino Espírito Santo, sempre a rogos de Maria, sem A qual nós não conseguimos nada.

“Vinde, ó Espírito santo, vinde e tende piedade de mim. Tornai minha alma simples, dócil e fiel, e condescendei com minha fraqueza”. – É uma frase lindíssima, que a bem dizer perde sendo comentada, porque há uma beleza que qualquer comentário deslustra. É preciso tomar como uma fonte donde nasce a água. Não vale a pena captar a água; deixa brotar da fonte assim aos borbulhões. Assim está Santo Agostinho…

Enfim, para meter a camisa de força do comentário de alto a baixo do texto, vem então o seguinte: “Vinde, ó Espírito santo, vinde”. – Os senhores vejam a ênfase: “vinde, vinde!  E tende piedade de mim”. Aquele necessitado de piedade implora com insistência, pede duas vezes: “Vinde, vinde!” E agora vem a enumeração do que quer da piedade. O ter misericórdia dele, para seu caso concreto, o que significa? Então vem: “Tornai minha alma simples, dócil e fiel”. As três palavras devem ser consideradas juntas, pois constituem uma espécie de tríptico. Simples é a alma que não tem requebros, vaidades, complicações. O contrário, portanto, de quem não quer se ver a si mesmo direito, que não quer olhar-se de frente, que não é “pão, pão, queijo, queijo”. Nosso Senhor disse: “Seja vossa linguagem sim, sim, não, não”. “Seja o vosso pensar interior sim, sim, não, não. Tenha a coragem de ver a verdade e o erro, mas também no que diz respeito a vós! Não é só o mundo objetivo, externo a vós, mas também no que diz respeito a vós interiormente. Tende essa coragem!”

Esta é uma alma simples. A alma simples é dócil. Por que? Quanto mais uma alma é complicada em obedecer, tanto mais a essa alma falta simplicidade. Não sei se os senhores conhecem uma coisa que não sei se se usa hoje, mas antigamente, quando eu tinha tempo de prestar atenção nessas coisas, eu via os empregados às vezes passarem no chão uma espécie de carapinha de palha de aço para limparem o lugar, nem sei bem para o que era. Depois enceravam. Acho que era para tirar sujeira impregnada no chão. Há almas complicadas como aquelas palha de aço! Engruvinhada uma coisa na outra… Então se propõe uma coisa: “Pode, mas se der tal coisa, se fizer assim, e se acontecer de outro jeito, e se der uma carambola assim… então eu estou de acordo”. São as almas às quais faltam docilidade. Complicadas no obedecer. Pelo contrário, as almas simples recebem um convite do Espírito Santo: “Pois não”. Vão e fazem!… Nós poderíamos examinar um pouco: somos parecidos com a palha de aço ou retos como a lâmina de uma espada? É uma pergunta que se poderia fazer.

Dócil e fiel. A fidelidade é muito difícil para a palha de aço; ela é muito mais fácil para o gládio. Alma-gládio e alma-palha de aço: não poderíamos fazer disso uma classificação para as almas? E se fôssemos nos analisar… Os senhores sabem o que acontece? A palha de aço começaria a ferver: “Não, é assim, mas é preciso considerar tal coisa, eu tenho tal atenuante! É verdade que tenho tal agravante… Eu vejo que você acha isso de mim e por isso é meu inimigo, você vê essa agravante! – como se ver a verdade em alguém fosse ser inimigo de alguém! – e também tem tal lado, tal, tal, tal! Em todo caso, você também tem tal coisa!” Eu não estou em jogo. Está em jogo você, meu caro! Vamos conversar… Isso é a palha de aço! Quanto há, por vezes, palha de aço em nossas almas.

Alguém poderia, enquanto estou falando, responder: “Mas, Dr. Plinio, não tem saída, eu sou palha de aço mesmo!…” Meu filho, não diga isso… Você ajoelhe, reze a Nossa Senhora com confiança para que Ela faça vir sobre si o Divino Espírito Santo, e as coisas mudem.

 

Mater mea, fiducia mea (Minha Mãe, minha confiança)

“…e condescendei com minha fraqueza…” – Eu não conheço a etimologia da palavra “condescendência”. Mas sou tentado a achar, pelo sentido da palavra mais do que pela composição dela, que é “descer com”: “Tende a bondade de descer dentro de mim até o fundo, mas com bondade, em espírito de perdão, uma tendência a curar-me, a sarar as minhas chagas, e não a castigar-me. Descei até esse fundo culpado de minha alma, descei até lá, mas descei como Pai, como médico, como curador. Tende pena de mim, e sarai as minhas chagas!”. É uma oração que se pode fazer, que se deve fazer.

E condescendei ao quê? À fraqueza. Mais uma vez é a preocupação com os lânguidos, etc. “Eu sou fraco, deveria ter energia e não tenho. Vejo outros que têm energia, e me pergunto: como é que vou sair desse buraco? Enérgico eu não sou…” Reze, meu filho! Reze com coragem, reze com ânimo! Você deixará de ser fraco.

“Condescendei com tanta bondade, que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita”. – Um poca, por exemplo, que só gosta de conversar sobre coisinhas, só trata de assuntinhos sem importância, que não tem alma grande para nada… Ele vê, por exemplo, uma reunião onde todos os presentes estão preocupados com grandes temas, e pensa: “Eu estou achando isso cacete. Eu gosto tanto de tratar de coisinhas… Eu tenho que resolver a que horas amanhã vou levar meus sapatos para consertar. E gosto de pensar nisso. Estão aí estas águias voando alto e eu sou tão chulo, tão droga… Eu tenho vontade de me esconder até”… Não faça isso. Faça o contrário. Mostre-se! Mas mostre-se ao olhar de Deus, o Qual, aliás, vê tudo… quer eu me mostre, quer eu não me mostre. Ele vê tudo… vê também se estou querendo me esconder como Adão e Eva depois do pecado. Então é melhor eu dizer: “Vede, Senhor, eu sou tão zero, tão poca, tão nada! Mas Vós podeis dar-me aquele nível para o qual Vós me criastes. Vinde e agi!”

“…que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita”. – O que significa “encontrar graça”? É Deus considerar do alto de Sua onipotência a minha impotência. E considerando exatamente a minha impotência, Ele vê nisso uma razão para sorrir e me tratar com bondade e me suspender, dar-me um poder que eu não tenho. Esse é o sentido dessa oração.

… minha impotência diante de vossa força, minhas ofensas diante da multidão de vossas misericórdias”. – Tal é a multidão de vossa misericórdia, que encontro – para qualquer espécie de culpa que tenha – a vossa bondade que vem de encontro a mim.

Isso seria o sentido da oração! A qual recomendo aos senhores que guardem. Eu peço a um dos senhores para dar ao Sr. Fernando a fim de guardar para mim, porque no meu bolso vai se transformar num “chiffon” a qualquer momento. E que a rezem de vez em quando, tendo um movimento para tal, pois seria sumamente conveniente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Domingo, 20 de maio de 1990)

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