Balduíno IV, o protótipo do católico – I
Nada foi tão belo quanto o começo das Cruzadas. E nada mais triste do que o ocaso plúmbeo, pardacento, feio no qual elas se afundaram. Mas Deus suscitou no Oriente uma das mais altas figuras do mundo do tempo das Cruzadas decadentes: um rei leproso. Seu heroísmo e dedicação à Causa Católica fazem dele o protótipo do cavaleiro, do guerreiro, do rei e do leproso; em suma, o protótipo do católico.
Os comentários que farei a seguir só podem ser sentidos em toda a sua importância e expressão se tomarmos em consideração os tempos nos quais os fatos que serão narrados se desenrolaram, ou seja, a Idade Média, no ocaso das Cruzadas.
O brilho da graça das Cruzadas refulge até hoje
As Cruzadas representaram um dos mais belos movimentos de alma que a Igreja teve, ao longo de todos os séculos de sua existência. Como tudo quanto de belo que se passa na Igreja, a esse movimento de alma correspondia uma grande graça.
Era a graça das Cruzadas, da qual um resto de brilho ainda refulge no olhar poluído e cansado do homem contemporâneo, porque quando se fala das Cruzadas, todo mundo compreende.
Ao ser dito: “Fulano tem o espírito de um Cruzado”, entende-se que comum, mas iluminado de Religião, de Fé, de certezas de toda ordem, com uma disposição e um ânimo extraordinários para suportar qualquer forma de dor, de sofrimento, de risco.
Um ímpeto de guerra, uma capacidade de impacto sem precedentes, e provavelmente sem consequentes na História. Todos esses conceitos se reúnem e brilham aos olhos com uma luz de Fé, quando se fala a respeito das Cruzadas.
Nada foi tão belo quanto o começo das Cruzadas. Por causa disso, nada foi mais triste do que o ocaso plúmbeo, pardacento, feio no qual elas se afundaram. A razão desse afundamento nós conhecemos. Os primeiros Cruzados eram varões inspirados por uma grande Fé. Mas começaram a se misturar com eles homens que faziam a guerra santa preocupados em obter o brilho, que na opinião pública do Ocidente lhes alcançaria uma participação heroica nas Cruzadas. Quer dizer, ter refulgido de heroísmo nas Cruzadas dava, no Ocidente, o que hoje chamariam “um grande cartaz”. E facilmente até promovia o indivíduo na escala nobiliárquica, que era a escala de ascensão política, social e econômica naquele tempo. De maneira que havia um interesse humano, conjugado com o interesse sobrenatural em ser Cruzado.
Com o declínio da influência da Religião, os Cruzados interesseiros foram se tornando mais numerosos do que os autênticos, legítimos, que o eram por verdadeiro espírito de Fé. Com isso, as Cruzadas foram se tornando guerras de conquista, para que os combatentes obtivessem reinos e feudos cômodos na península balcânica e, sobretudo, na Terra Santa e na África do Norte, fundando ali um Reino de Chipre, por exemplo, ilustre naquele tempo.
O rei era a síntese e a personificação do país…
Entretanto, os guerreiros indo às Cruzadas por essas razões, as ocasiões de pecado que a guerra traz consigo os solicitavam muito: as rivalidades, as rixas, as injustiças da partilha das vantagens obtidas e, naturalmente, também o pecado da carne, porque nos saques daquelas cidades conquistadas apresentavam-se mil ocasiões de tentações.
Assim, o ideal da Cruzada foi se rebaixando e poluindo cada vez mais. Nesse ocaso triste das Cruzadas, em que as próprias Ordens de Cavalaria estavam afetadas na sua integridade, na sua fidelidade ao primitivo espírito, a Providência quis que elas brilhassem enviando-lhes um rei, que não me espantaria nem um pouco se, pelo menos no Reino de Maria, fosse canonizado.
Para compreendermos bem quem era esse rei, suscitado como uma espécie de réplica de Deus à ambição vulgar e ao espírito egoístico da maior parte dos Cruzados da decadência, precisamos tomar em consideração o que era naquele tempo um rei e depois, no extremo oposto, o que era um leproso.
O rei não era uma figura meramente decorativa, mas sim um ungido de Deus, pois recebia uma investidura por meio de uma cerimônia religiosa: uma coroação ou uma unção – ou ambas as coisas juntas – feita por mãos de eclesiástico, em geral um bispo. Isso fazia do monarca um representante de Deus na Terra, encarregado de fazer prosperar a causa de Deus na ordem civil, como um bispo ou um papa tem a missão de incrementá-la na ordem espiritual.
Ademais, homem dotado de um grande poder e, por isso, ultrarreverenciado, cortejado por todo mundo. Ele estava no ápice de toda espécie de hierarquia temporal, era a síntese e a personificação do país. Não se podia ser mais do que o rei.
…e o leproso, a abominação dos homens
No extremo oposto nós temos o leproso, considerado a abominação dos homens. Porque naquele tempo não se tinha o processo de cura ou de detenção da infecção leprosa, que hoje se conhece; e quando um indivíduo era atingido por essa doença, consideravam- no irremissivelmente perdido.
No entanto, a lepra – ao menos em muitas de suas manifestações, frequentes naquele tempo – é uma doença lenta, que vai matando o indivíduo aos poucos e de um modo horroroso, porque ele vai apodrecendo paulatinamente. As extremidades incham, entumecem e depois vão caindo de podres. Então, começam a cair os dedos, os artelhos, o nariz; as orelhas incham desmedidamente e caem também… A pessoa torna-se uma espécie de chaga viva: o rosto todo, uma chaga; os olhos vermelhos, incandescentes, porque a lepra ataca o globo ocular. O leproso fica todo ele devorado por essa putrefação que, naturalmente, acaba levando-o deste mundo.
Os antigos tinham horror à lepra, evidentemente. Por causa disso, afastavam o leproso do convívio humano. Estava, portanto, no extremo oposto de um rei procurado e admirado por todos. O leproso causava terror, fugia-se dele. Havia até a obrigação de ser internado num leprosário, e passar ali a vida inteira.
O processo de internamento de alguém em um leprosário era muitas vezes o seguinte: uma vez declarada leprosa pela autoridade competente, a pessoa era levada pela família à igreja, ficava deitada num caixão de defunto e o padre recitava sobre ela orações especiais, declarando-a afastada do convívio social. Era conduzida, então, dentro do caixão aberto, em cortejo da aldeia até o leprosário próximo. Depunham o caixão às portas do leprosário, e todos iam embora. Ali moravam apenas leprosos e um ou outro padre, freira, ou leigo de alma heroica, que lá viviam para ajudar aqueles desventurados.
Assim, o leproso imergia naquele inferno vivo pelo medo que a sociedade tinha de que ele se tornasse um foco de contágio.
Vemos, assim, como o leproso e o rei estão em extremos opostos. Ora, aprouve à Providência Divina suscitar no Oriente, como uma das mais altas figuras do mundo das Cruzadas decadentes, um rei leproso.
Um rei leproso, protótipo do guerreiro
A figura de um rei leproso é dramática. Um homem que carrega consigo uma doença da qual todo mundo tem medo, mas que, pelo jogo das circunstâncias, deve ficar no seu cargo, pois ele sabe que assim fará à Igreja um bem que em meio àquela decadência nenhum outro realizaria.
Então ele é, ao mesmo tempo, procurado e tido com horror por todas as pessoas.
Vivendo no esplendor de um palácio, cercado de todo aquele luxo, ele é o podre, o horripilante, o verme posto no meio da flor. É a contradição entre o fausto que o rodeia e a hediondez da decrepitude física de um homem que vai apodrecendo em vida.
Apesar da lepra, esse homem, por amor à Igreja Católica, deu todas as provas de vigor físico, combatendo como qualquer guerreiro, e na vanguarda, metendo terror nos seus adversários, de tal maneira ele foi grande batalhador! Enfrentando, de outro lado, provações terríveis, porque ele carregava o peso enorme de sustentar uma avalanche que caía.
Era um mundo todo deteriorado, moralmente leproso, contra o qual ele devia reagir. Os íntimos, os próximos dele não valiam dois caracóis. Apesar de tudo, ele precisava manter em pé o estandarte da Cruz no Oriente Próximo durante toda a vida dele.
Veremos, então, desenrolar-se a tragédia desse rei leproso – Balduíno IV, último monarca de Jerusalém, reino do qual o primeiro rei foi Godofredo de Bouillon –, com manifestações de heroísmo fantásticas e de uma dedicação à Causa Católica extraordinária, que fazem dele o protótipo do cavaleiro, do guerreiro, do rei e do leproso. Numa palavra só: o protótipo do católico, porque ele carregou com coragem todas as crises, tudo quanto ele devia sofrer no seu pobre corpo chagado e na sua alma.
Uma forma de silêncio que só pesa sobre os esplêndidos
Comentarei algumas notas biográficas tiradas do livro Os Templários, de Georges Bordonove(1). Nada na história das Cruzadas é mais emocionante que o reino doloroso de Balduíno IV.
A meu ver, ele poderia se chamar o “rei das dores”, porque o reino dele foi um reino doloroso, e ele teve o reinado das dores. Todas as dores confluíram nele. Nada, entre os vários exemplos famosos, pode atestar melhor o império de um espírito de ferro sobre a carne débil. Este foi um rei sublime, de que os historiadores tratam só de passagem. O que faz perguntar por que, até aqui, nenhum escritor nele se inspirou, exceto talvez o velho poeta alemão Wolfram von Eschenbach. Nem o romance, nem o teatro o invocam e, entretanto, sua breve existência, cheia de acontecimentos coloridos, forma uma apaixonante e dilacerante tragédia.
Isto mesmo indica ter sido um homem muito bom. Porque o quadro seria por demais tentador para uma peça de teatro, um filme, uma biografia, uma leitura espiritual. Se a memória desse homem está de tal maneira posta à margem, quando poderia tanto dar pretexto para escritores famosos se tornarem ainda mais célebres, é evidentemente porque ele foi ótimo. Esta forma de silêncio só pesa sobre os esplêndidos, e já equivale, por si mesma, a uma presunção de canonização.
Brincando de batalha, não sentia as machucaduras
O destino sorria à sua infância. A palavra destino é péssima. A Providência é que sorria à infância dele. Robusto e belo. Ele era dotado de inteligência aguçada, de sua raça angevina.
Quer dizer, a família dele era nobre, procedente de Anjou, na França. Tinha se dado a ele por preceptor Guilherme de Tiro, que se tomou de uma grande preocupação e dedicação, como é conveniente a um filho de rei.
Portanto, ele foi educado esmeradamente. O pequeno Balduíno tinha muito boa memória, conhecia suficientemente as letras. O que não era tão frequente na nossa querida Idade Média. Retinha muitas histórias, e as contava com prazer.
Um dia… Aí começa a tragédia.
…em que brincava de batalha com os filhos dos barões de Jerusalém, descobriu-se que tinha os membros insensíveis. Os outros meninos gritavam quando se lhes feria. Balduíno, porém, não dizia uma só palavra.
Esse fato se repetiu em muitas ocasiões. A tal ponto que o Arcediago Guilherme alarmou-se. Primeiro pensou que o menino fazia uma proeza, desprezando queixar-se. Então, dirigindo-lhe a palavra perguntou porque sofria aquelas machucaduras sem se queixar. O pequeno respondeu que as crianças não o feriam, ele não se ressentia em nada dos arranhões. Então o mestre examinou seu braço e sua mão, e certificou-se que estavam adormecidos.
O primeiro sintoma da lepra é a diminuição da sensibilidade. Era o sinal evidente da lepra, doença terrível e incurável naquele tempo. Os médicos aos quais foi confiado não podiam sustar a infecção, nem mesmo retardar a lenta decomposição que afetaria as suas carnes. Toda a sua vida não foi senão uma luta contra o mal irredutível.
Por duas vezes, fez com que Saladino fugisse
E mais ainda, muito mais, foi testemunha dos poderes de um homem sobre si mesmo, e a encarnação assombrosa dos seus mais altos deveres. Balduíno IV foi rei digno de São Luís, um santo, um homem, enfim, e é isto que, sobretudo, importa à nossa admiração sem reticências, a quem nenhuma desgraça chegou a destruir o vigor da alma, as convicções, a altivez, as qualidades de coração, o senso da responsabilidade, dos quais ele hauria o revigoramento e a coragem.
Balduíno, no meio disso tudo, ainda era um homem não só corajoso, mas digno e altivo. Para se conservar digno e altivo nessas condições é preciso ter fibra de alma! No fim de 1174, Saladino, senhor de Damasco, veio sitiar Alepo. Os descendentes de Noredim pediram socorro aos francos. Raimundo de Trípoli atacou a praça forte de Homs. Balduíno IV empreendeu uma avançada vitoriosa sobre Damasco.
Essas iniciativas fizeram com que Saladino abandonasse seu desejo inicial. Saladino era um grande guerreiro. Fugiu, por causa da pressão que Balduíno exerceu contra ele. Em 1176, o sultão voltou à carga, e a mesma manobra sustou seus planos. Quer dizer, mais uma vez, Balduíno fez fugir Saladino.
Balduíno venceu seu exército em Damasco e Andujar, e trouxe um belo lucro da expedição. Nessa ocasião, ele tinha apenas 15 anos.
Nessa idade já era um tão famoso chefe de guerra!
Nos combates, reivindicava para si o lugar de perigo
Apesar de sua doença, cavalgava como um homem de armas. Empunhava eximiamente a lança. Sabe-se que a lepra debilita. Podemos imaginar o que é empunhar uma lança numa batalha? Toda espécie de movimentos, que força isso significa! Com o pretexto de ser leproso, ele podia ficar perfeitamente na retaguarda. Mas reivindicava para si, eximiamente, o lugar de perigo.
Nenhum dos seus predecessores teve tão cedo semelhante noção da dignidade real de que estava investido, e de sua própria finalidade. Ou seja, ele foi precocíssimo no compreender qual era a nobreza de um rei.
Percebendo as rivalidades existentes entre os que o cercavam… Entre os católicos, portanto. Era a putrefação do espírito católico naquele tempo. …compreendeu quão necessária era sua presença à cabeça dos exércitos católicos.
Mas que calvário deveria ser o seu! Aos sofrimentos físicos, ajuntava-se a angústia moral. Seu estado o impedia de se casar, de ter um descendente. Ele não era senão um morto vivo, um morto coroado, cujas pústulas e purulências se disfarçavam sob o ferro e sob a seda. Mas que se mantinha de pé, que se lançava à ação, movido não se sabe por que sopro milagroso, por que alta e devoradora chama de sacrifício!
Era, pois, inexplicável aos olhos de todo mundo como esse homem lutava.
Por sagacidade, deixa Jerusalém desguarnecida
Um novo Cruzado acabava de desembarcar. Chamava-se Filipe de Alsácia, Conde de Flandres, e parente próximo de Balduíno. O problema de Balduíno era o seu sucessor. Se ele tivesse um filho, poderia educá-lo como quisesse. Era básico que houvesse um sucessor da categoria dele para manter o estandarte da Cruz na Terra Santa. Mas ele não teria sucessores descendentes dele. Seriam parentes, e que parentes… Assim, ele via não só a lepra destruir-lhe o corpo, mas sua obra meio fadada a desaparecer, como desapareceu, e ele retardando algo que não conseguiria evitar. Apesar disso, com uma coragem prodigiosa, ele resistiu.
O pequeno rei esperava muito desse apoio. Estava claro que era necessário ferir Saladino no coração de seu poder, isto é, no Egito, se se quisesse abalar a unidade muçulmana. Mas isso precisamente era o que propunha o Basileu, Imperador de Bizâncio.
O Egito, uma vez conquistado em parte, Damasco não poderia deixar de subtrair-se ao poder cambaleante de Saladino. Mas Filipe de Alsácia opinava de outra forma.
Ninguém lhe poderia impedir de guerrear na Síria do Norte. E, o que era mais grave, de levar consigo parte do exército franco. Saladino respondeu invadindo a Síria do Sul. Balduíno reuniu o que lhe restava de tropas, desguarneceu audaciosamente Jerusalém, e partiu para Ascalon, onde Saladino investia. Este, logo que foi informado, subestimou seu adversário. Ele acreditava que a queda de Ascalon era uma questão de dias, e marchou sobre Jerusalém, com o grosso de seu exército.
Prosterna-se com o rosto na areia diante do Santo Lenho
Balduíno compreendeu suas intenções e saiu de Ascalon. Fez um longo périplo e caiu, repentinamente, sobre as colunas de Saladino em Montgisard.
O efeito da surpresa não compensou a desproporção dos efetivos em luta. Balduíno sentiu a hesitação dos seus. Desceu então do cavalo, prosternou-se com o rosto na areia diante do madeiro da verdadeira Cruz, que era levado pelo Bispo de Belém. Orou com a voz cheia de lágrimas. E, com o coração convertido, seus soldados juraram então não recuar, e considerar traidor aquele que voltasse atrás.
Rodeando o Santo Lenho, o esquadrão de trezentos cavaleiros se lançou impetuosamente. O vale entulhava-se com a bagagem do exército de Saladino, diz o “Livro dos Dois Jardins”. Os cavaleiros francos surgiram ágeis como lobos, latindo como cães. Atacavam em massa, ardentes como chamas. E puseram em fuga o invencível Saladino que, se salvou a própria pele, foi graças à rapidez de seu cavalo e ao devotamento de sua guarda. Retornou ao Egito, abandonando milhares de prisioneiros. Balduíno logrou, enfim, uma vitória sem precedentes.
Com apenas 300 homens, obtém vitóriacontra Saladino
Essa vitória merece uma pequena análise. Para isso, relembremos rapidamente os acontecimentos narrados: Saladino foi sitiar a cidade de Ascalon, e Balduíno IV julgou que podia pegá-lo lá.
Então, para salvar Ascalon, desguarneceu Jerusalém. Saladino, percebendo que a capital do reino e a Cidade Santa dos católicos estava desguarnecida, saiu às pressas de Ascalon e foi atacar Jerusalém, certo de que tinha levado vantagem sobre Balduíno. Este contava apenas com trezentos homens. Ao ver que Jerusalém seria cercada, resolveu interceptar o exército de Saladino no caminho entre Ascalon e Jerusalém. Quando os guerreiros católicos viram aquela multidão de maometanos, não tiveram coragem. Temos, então, a cena épica: o rei leproso que desce de seu cavalo, prosterna-se com o rosto na areia, diante do Santo Lenho, e pede a Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Maria, enquanto Rei de Jerusalém, que não permita que a Cidade Santa pereça.
Vem uma dessas graças sobrenaturais que não se podem explicar senão por um verdadeiro sopro do Espírito Santo, uma verdadeira Pentecostes pequena, por onde todos mudam completamente.
Ele se levanta, e trezentos soldados apenas, chefiados pelo rei leproso – com que dores, com que sacrifícios, mas com que vigor de alma, com que zelo! –, investem sobre os maometanos. A investida é tremenda. Inclusive usaram o recurso de guerra psicológica: ladravam para meter medo. Saladino não pôde resistir, teve que fugir a galope para o Egito. E uma das mais famosas batalhas da Terra Santa foi assim ganha pelo rei leproso.
O Varão de todas as dores teve uma consolação pensando no “rei das dores”
Vejam como nós devemos meditar a respeito dos mistérios de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Divino Redentor, pregado na Cruz, conhecia todo o futuro; e no meio das tristezas sem conta que Ele tinha a propósito do porvir, sabia que destino teria cada um dos fragmentos do Santo Lenho, daquela Cruz que Ele estava tornando sagrada pelo seu sacrifício, pois ali estava derramando o seu Sangue.
Nosso Senhor Jesus Cristo foi comparado pelo Profeta Isaías a um leproso tão chagado que, do alto da cabeça até a planta dos pés, não havia n’Ele nada que estivesse sadio. Do alto da Cruz, o Divino Leproso previu que um dos fragmentos do Santo Lenho seria adorado por um filho leproso, em certa ocasião, no deserto.
O Redentor conheceu e ouviu o brado de entusiasmo dos guerreiros francos; contemplou a adoração angélica daquele homem que estava com o rosto em terra, bradando o seu “Quis ut Deus!” para altar por cima dos maometanos. E o Divino Salvador Se consolou. O Homem de todas as dores teve uma consolação no alto da Cruz, pensando naquele “rei das dores”. Balduíno arrancou algo à maneira de sorriso dos pobres lábios “leprosos” de Nosso Senhor Jesus Cristo expirante.
Devemos desejar ter a alma como a de Balduíno IV
Foi só isso? Não. Nosso Senhor Jesus Cristo também sabia que no dia 21 do mês de outubro de 1972 essa epopeia seria lembrada. E que os filhos recrutados, pela intercessão de Maria, para defenderem a causa d’Ele no século XX, haveriam de se embevecer, sabendo que, a propósito do Rei Balduíno IV, Nosso Senhor também Se lembraria deles. E o consentimento de alma que damos à epopeia de Balduíno também consolou nosso Divino Redentor no alto da Cruz.
De 1174 para 1972, que enorme espaço de tempo! Pois bem, passaram- se os séculos, essa história dormiu na poeira de quantos livros, na indiferença de tantos homens, mas ela estava reservada, como uma joia, para uma meditação que nos fizesse desejar ter a alma como de um Balduíno, ainda que fracos de corpo, fortes de alma dessa maneira, e com essa confiança invencível que Balduíno possuía. Só com trezentos combatentes, com um corpo chagado e leproso, ele teve, entretanto, a graça de receber um sopro do Espírito Santo para si e para os seus, e alcançar essa vitória extraordinária. Um dos mais belos feitos da Civilização Cristã!
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 21/10/1972)
Plinio Corrêa de Oliveira
1) Cf. BORDONOVE, Georges. Les Templiers. Paris: Librairie Athème Fayard, 1977. c. XII, p. 108-111.