Conhecimento de Deus através do belo
Por meio da contemplação dos esplendores que o Criador espargiu pelo universo, chega-se ao amor de Deus. Seria necessária, diz Dr. Plinio, uma escola desses exercícios de admiração para inaugurar uma nova e rica via de conhecimento divino, sobretudo conveniente para aqueles que vivem na era da “civilização da imagem”.
No seu livro sobre a estética medieval1, Edgar de Bruyne se refere à escola vitorina2, o que nos faz pensar na conveniência de haver tratados do amor de Deus ensinando, por meio do belo, a praticar a admiração e o elevar-se ao Criador, ao mesmo tempo metódica e degustativamente, assim como há tratados para outras vias da vida espiritual.
Um novo caminho para a piedade
Compreende-se melhor a oportunidade de um tal ensinamento se considerarmos que, em matéria de livros para formar as almas no amor divino, um tratado dessa espécie seria o único capaz de reeducar as pessoas da “civilização da imagem”, porque parte da figura e tende, através desta, para uma reflexão que nunca se distancia inteiramente da imagem, nem sequer em seu ponto terminal. E constitui, entretanto, um profundo pensamento.
A esse título, trata-se de um caminho novo de piedade e vida espiritual.
Exemplifico. Tome-se, digamos, a estrada de ferro que liga Curitiba ao porto de Paranaguá, no Paraná. Um trajeto famoso pela beleza dos panoramas que ele percorre. Ora, dever-se-ia mostrar fotografias desses cenários e, com essas imagens na retina, explicar como através dos esplendores naturais ali contemplados se chega ao conhecimento e amor de Deus.
Do mesmo modo, com outras incontáveis belezas esparsas pelo Brasil e pelo mundo, seria mais do que benéfico proceder a tais exercícios — atraentes e sistemáticos — de elevação da alma às coisas celestiais. Isto significaria, como acima dissemos, inaugurar para os homens uma nova e rica via de conhecimento divino.
A beleza do espírito transparecendo na da matéria
A arte gótica, aliás, é fecunda no favorecer exercícios dessa natureza. Por exemplo, o Castelo de Saumur, cujos torreões parecem dispostos desordenadamente dentro de um quadrilátero muito rigoroso — e o gênio francês é exímio em unir elementos díspares — nos remete para realidades superiores às terrenas.
Nesse sentido, porém, embora arquitetada num estilo próprio, creio ser mais audaciosa a igreja de São Basílio, em Moscou. Ao vê-la, tem-se a impressão de que suas torres, como que nascendo do solo, são minúsculas e carregam tetos imensamente maiores que elas. Estes, por assim dizer, quase esmagam o edifício, mas são coberturas magníficas. É um conglomerado de torres onde quase tudo é teto, constituindo um jogo de fantasia e imaginação em extremo bonito, e, a seu modo, elevando a alma para o infinito esplendor de Deus.
Dessas análises se deve concluir que, na beleza da arte engendrada pelo talento humano, importa fazer transparecer a beleza mais alta de caráter espiritual que nos fala de Deus.
Então se pergunta: como uma pessoa, percebendo a transparência do espírito na matéria — desde que tal transparência apresente essas qualidades sobre as quais acabamos de falar — tem a noção do belo?
Ela o tem, porque nota através do elemento material que lhe cai comumente sob os sentidos, uma realidade ontológica mais elevada. De algum modo, ela percebe a riqueza de espírito ali presente e, de certa forma, a beleza do próprio Deus. Ou seja, é um degrau para a consideração do Onipotente, do Ser perfeito, eterno e criador de todas as coisas.
A habilidade do artista enriquece a obra
Portanto, não basta dizer — e esse ponto acrescenta algo às nossas elucubrações anteriores — que a pessoa, ao contemplar a obra de arte, percebe uma virtude e, através disso, Deus. Há outra coisa: ela conhece melhor, com uma cognição mais preciosa que a comum, o espírito humano que concebeu aquela beleza artística, o qual representa uma realidade ontológica superior e independente de considerações de caráter moral, e que remete para Deus, puro Espírito.
Por isso, segundo de Bruyne, às vezes a mensagem espiritual transmitida pela obra de arte não consiste em que seja em si mesma muito expressiva, mas em revelar a enorme paciência e habilidade do artista, em nos dar a conhecer algo de sua própria alma.
Harmonia de opostos não contraditórios
Para concluir, um comentário a respeito da fórmula empregada por Cassiodoro e consignada por de Bruyne, para exprimir a harmonia das coisas opostas e não contraditórias: “ex diversis, non ex adversis”.
Julgo-a perfeita, lapidar e digna de ser retida. Parece-me muito agradável o emprego de palavras semelhantes — diversis, adversis — que, devido à inversão de uma sílaba ou de algumas letras, exprimem conceitos distintos, tornando o pensamento mais nítido ao espírito.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/4/1973)
1) Todas as referências a Edgar de Bruyne nesta seção reportam-se à sua obra L’Esthétique du Moyen Âge [A estética da Idade Média].
2) Escola de pensamento fundada em Paris por Hugo de São Vitor e Ricardo de São Vitor.