Um palácio digno e nobre
Alma voltada para as coisas mais elevadas, Dr. Plinio procurava sempre o maravilhoso. No Palácio dos Campos Elíseos ele via o maravilhoso na mediania, no equilíbrio e na harmonia. Mas discernia o que existe de revolucionário nesse edifício: uma solicitação para o gozo da vida, fator de amolecimento das almas.
Farei alguns comentários sobre o Palácio dos Campos Elíseos(1). Obedecendo ao princípio de pôr em realce também o óbvio, eu queria mostrar o seguinte: nele há um maravilhoso, o qual é feito — e aqui está o segredo do Palácio — de elementos que de si não conduzem ao maravilhoso. É a harmonia desses elementos que dá o maravilhoso.
Cada mansarda é uma obra-prima
Todos naturalmente notam que o Palácio é muito simétrico: ele tem um corpo central com duas galerias, uma inferior e outra superior. Na galeria de baixo, os arcos são um pouquinho mais largos — e também mais ornados — do que os da galeria de cima. Na galeria de baixo há uma espécie de moldura em torno de cada arco, tendo bem no centro um elemento decorativo que não existe em cima.
Em baixo, entre os arcos, existem medalhões de faiança, que em cima são substituídos por outras aplicações de cimento ou qualquer coisa assim, mas muito mais modestos.
Um espírito banal diria que o Palácio ficaria muito mais bonito se ele fosse tão belo em cima quanto em baixo. Mas perderia completamente. O segredo está exatamente num certo equilíbrio, por onde a parte de baixo parece suportar comodamente a parte de cima que já se perde um pouco no irreal; ela é mais imprecisa, menos nítida do que a parte de baixo. Essa ideia é acentuada ainda mais pelas três mansardas que são, cada uma, uma verdadeira obra-prima. Essas mansardas, por assim dizer, repetem de um modo já meio irreal a galeria.
Edifício sólido, mas tendente para o alto
De um lado e de outro há dois corpos de edifício que se projetam ligeiramente para a frente, mas o mesmo princípio está adotado aqui, quer dizer, a projeção é muito maior em baixo do que em cima. Na parte superior, o destaque é muito pequeno; em baixo, é bastante acentuado. De maneira que para compreendermos toda a harmonia existente aqui, deveríamos imaginar como seria o Palácio sem essas caixas embaixo. Ele não ficaria completamente lambido?
Vejam como tudo é bem estudado, e aqui se desmente a regra, pois as janelas de cima são mais ornadas do que as de baixo.
Então, alguém poderia me perguntar: “Por que essas janelas não pesam?” Porque elas têm essa caixa na frente, que aguenta o peso do ornato maior. Imaginem que essas janelas de cima não fossem mais ornadas, porém iguais às outras; o Palácio não perderia muito?
Então, essa discreta harmonia do Palácio é feita em mil equilíbrios.
Considerem as mansardas. Cada um desses corpos tem apenas uma mansarda. Comparem com as outras; é a mansarda do centro ampliada, mas uma ampliação esplendidamente harmônica com o tamanho do terraço e da parte situada embaixo.
Todas elas — para dar a ideia de que se perdem no ar — têm três bolinhas em três suportes em cima, que é o voo que o edifício toma, de maneira que temos a impressão de um edifício sólido, assentado na terra, mas tendente para o alto.
Não tem nada de angélico como um prédio gótico, mas como o homem é um misto de alma e corpo, há muita alma nesse corpo. Não é pura alma como no castelo de Saumur, por exemplo, mas tem muita alma dentro desse corpo, donde agora se explica o que para mim é o encanto do Palácio: ele não é grande nem pequeno; é médio. Ele não é riquíssimo, não é pobre; é digno. Ele não é faustoso nem esplendoroso; é nobre.
Equilíbrio e harmonia
Quer dizer, é um Palácio que nos dá tudo quanto pode haver de maravilhoso na mediania, no equilíbrio e na harmonia, e representa, nesse sentido, um valor absoluto. Poder-se-ia dizer que é um exemplo de Harmonia com “H” maiúsculo, porque tudo quanto é sensacional foi eliminado do Palácio. Mas ele, de si, é sensacional. Quando o olhamos, pelo menos a mim, ele se afigura sensacional.
Esta sensação, creio que a luz dourada, se estivesse bem focalizada, realçaria enormemente. Ele toma um ar de harmonia de sonho, de conto de fadas nessa visão, e é um dos aspectos do Palácio de que eu gosto muito.
Vou fazer uma comparação prosaica: já imaginaram o Palácio sem aquele portal do lado direito de quem olha? Pareceria uma cara sem a orelha direita, porque do lado esquerdo há outro portal. E ficaria uma coisa que terminaria bruscamente.
Vejam como aquela “orelha” está bem posta: o tamanho, a largura, mas não visa fazer sensação. Uma pessoa de espírito dito moderno faria uma super entrada com um lustre pendurado. Ele não teria percebido nada, porque é esta leveza discreta — de mãe de família adornada com gala, e não como mulher leviana — que constitui o charme do Palácio. Eu acho que o Palácio é maravilhoso pelo charme.
Uma coisa bonita é o abaulado do terraço.
O modo de se perceber a razão de ser de uma coisa é imaginar que ela não estivesse ali. Então, imaginem o teto chato clássico; ele não tiraria algo do Palácio?
Olhem os medalhões e as cerâmicas: que azul bonito! E ouro sobre azul é a combinação francesa… São muito bonitos e têm categoria.
Vida de seriedade, de pensamento e de ação
Esse Palácio é feito para se levar uma vida de seriedade, de pensamento e de ação. Se morar aí um indivíduo que não for um homem de ação, ele apodrece dentro do Palácio. Tem que ter responsabilidade: é um Palácio para um governo. Responsabilidades gravíssimas, conselhos de Estado apertadíssimos, profundos pensamentos, planos políticos.
Aqui se faria uma preparação para uma guerra justa, longe da rua e do barulho, uma coisa magnífica: “Ataco assim ou não? Onde é a moleira do adversário? Qual o modo e a hora de dar o golpe?”
É preciso entender o que é a doutrina de governo, que entra dentro disso. Governo não é principalmente viajar, nem tomar contato com muita gente, mas estar informado, coordenar dados e chamar pessoas.
Imaginem, numa manhã, um homem muito reflexivo neste Palácio, em seu escritório dando para as árvores, janelas abertas, tudo tranquilo, e ele está fazendo os seus planos. Planejar é o auge. Aí dá para rezar, fazer meditação, etc.; uma verdadeira maravilha.
Podemos medir em que atoleiro nós estamos, porque isso no Reino de Maria não poderia existir. Nesse Palácio há Revolução. Estou apontando os lados positivos, mas isso é cheio de lados negativos. Entre outros, uma solicitação contínua do gozo da vida que amolece, e que nós não devemos tolerar.
Tenho medo desse estilo, porque o convite para o gozo da vida existe, embora precisemos saber ver o que ele tem de bonito.
Notem como há uma proporção entre um arco e o conjunto da fachada. Depois, entre a altura do arco, e o que resta da altura do edifício. E a porta de dentro, e até de uma portinha; porque essa portinha é indispensável. Se fosse tudo pedra, ficava pesadão.
Esse embasamento tem exatamente a altura necessária para se perceber que ele existe e para acentuar a ideia de que o Palácio flutua.
Esse Palácio, apesar de muito sério, é muito leve. Ninguém poderá dizer: “esse pastelão”. Gosto muito desse Palácio.
Esses prédios antigos têm lugares que nos convidam a estar olhando e pensando fixamente, sem sair. Naquela balaustradinha, por exemplo, poderíamos ficar olhando o jardim maior e, por uma boa meia hora, estar pensando em tudo e em nada, e quando sairmos, muitas ideias estarão mais maduras. É desse modo que se matura. Assim como existe adega para guardar e decantar vinho, isso é para guardar e decantar gente. É “adega” de gente. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/5/1974)
1) Situado na Av. Rio Branco, bairro Campos Elíseos, em São Paulo. Foi sede do Governo de 1915 a 1965.