REFRIGÉRIO, LUZ E PAZ
Belo ao extremo é o fato de que, no Novo Testamento, Deus tenha diminuído a distância entre Ele e os homens, descendo até nós e tomando a nossa natureza, através da Encarnação do Verbo, efundindo largamente suas graças e dádivas celestiais, de modo ainda mais intenso do que o fazia no Antigo Testamento.
Essa disposição divina determina, então, uma mudança na ótica da história humana: aquilo que era próprio das almas muito eleitas e grandes, transforma-se em dom esplêndido também para as menores e até para as muito pequenas. Tal é a prodigiosa efusão de graças do Novo Testamento.
Exemplo eloquente — embora pouco frisado — de manifestação dessa riqueza espiritual encontramos nos gisants das sepulturas medievais. Sempre me entusiasmou a visão daquelas imagens de cavaleiros jacentes, estendidos sobre a laje de seus túmulos, revestidos de armadura, a espada cingida ao lado, as mãos postas e os olhos fechados para o tempo, fitando a eternidade.
Figuras de cruzados prontos para a batalha, porém, enquanto a hora desta não soa, eles repousam. Não é a imagem de quem morre, mas de quem descansa à espera do Céu. Claro, sob aquela silhueta talhada em mármore ou granito, acha-se um corpo em decomposição. Provavelmente, já agora, séculos transcorridos, apenas um punhado de pó. Entretanto, se viveu e morreu naquela bendita atmosfera de bênçãos e graças, terá alcançado a bem aventurança eterna. No dia do Juízo, esse mesmo corpo ressurgirá e se unirá de novo àquela alma que mereceu a visão beatífica.
Outras sepulturas ostentam a imagem de algum importante prelado, numa postura compenetrada e séria, como se preparado estivesse para sua última e solene celebração eucarística: vestido com seus paramentos de gala, a mitra cingindo sua fronte, e o báculo ao seu lado, símbolo perene de seu poder eclesiástico.
Pode-se ver, ainda, as esculturas de nobres casais, dormindo o sono da morte sobre seus túmulos. Em geral, trazem a coroa correspondente ao grau de nobreza a que pertenciam, e suas vestes são aquelas que trajariam para uma grandiosa festa que dessem em seus domínios. Ambos, marido e mulher, numa união admirável percebida até na representação fria da pedra e do mármore. Ao mesmo tempo recendendo uma tal pureza e castidade, que é edificante contemplá-los estendidos na laje sepulcral, eles também aguardando a ressurreição da carne.
Há nessas imagens um reflexo daquele recolhimento profundo, daquela sensação experimentada por almas que se encontravam estavelmente, sem perder o fôlego, sob a dita efusão de graças que a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo trouxe para o mundo.
Símbolos de uma ordenação de espírito, de seriedade, deliberação e orientação conformes os desígnios de Deus para todos e cada um dos homens, de tal maneira que, vendo-os ali, silenciosos e serenos, tem-se a impressão de entrarmos em outro universo: abandonamos essa frigideira de pecados que é a civilização contemporânea, e imergimos num lugar onde só existem refrigério, luz e paz…